Para o gabinete do Primeiro-Ministro:
Sua Excelência Wen Jiabao
Pequim
Capital da Nação Amante da Liberdade da China
Do gabinete de:
"O Tigre Branco"
Um homem dado à reflexão
E um empresário
Que reside no centro mundial de Tecnologia e Subcontratação Electronics City Phase 1 (mesmo à saída de Hosur Main Road) Bangalore, Índia
Sr. Primeiro-Ministro
Nem eu nem o senhor falamos inglês, mas há coisas que só podem ser ditas em inglês.
A minha antiga patroa, a falecida ex-mulher do Sr. Ashok, Madame Pinky, ensinou-me umas quantas coisas; e, às 11h32 da noite de hoje, o que foi à cerca de dez minutos, quando a senhora da All India Radio anunciou: "O Primeiro-Ministro Jiabao chega a Bangalore na próxima semana", saiu-me logo uma delas.
Na verdade, sempre que homens ilustres como o senhor visitam o nosso país, sai-me sempre o mesmo. Não que eu tenha alguma coisa contra homens ilustres. À minha maneira, senhor, considero-me um seu igual. Mas sempre que vejo o nosso primeiro-ministro e os seus distintos colaboradores chegados serem conduzidos ao aeroporto em automóveis pretos, saírem e porem-se a fazer-lhe namastés diante duma câmara de televisão e a assegurarem-lhe de que a Índia é santa e virtuosa, não me consigo conter de dizer aquilo em inglês.
Bom, então, Vossa Excelência sempre nos vem visitar na próxima semana, não é verdade? Em geral, a All India Radio é de fiar em assuntos deste âmbito.
Era uma piada, senhor.
Ah!
É por isso que me decidi a perguntar-lhe directamente se é mesmo verdade que vem a Bangalore. Porque, a ser assim, tenho algo importante a comunicar-lhe. Sabe, a senhora da rádio disse: " O Senhor Jiabao vem em missão: quer conhecer a verdade a respeito de Bangalore".
Senti o sangue gelar-me nas veias. Se há alguém que saiba a verdade a respeito de Bangalore, essa pessoa seu eu.
A seguir, a senhora locutora acrescentou: " O Senhor Jiabao pretende conhecer alguns empresários indianos e ouvir a história do seu êxito pela sua própria boca".
Aqui, ela explicou um pouco melhor. Ao que consta, senhor, vocês, os chineses, encontram-se muito adiantados em relação a nós em todos os aspectos, à ecepção do facto de não terem empresários. E a nossa nação, apesar de não ter àgua potável, nem electricidade, nem sistemas de esgotos, nem transportes públicos, nem regras de higiene, nem disciplina, nem boas maneiras, nem pontualidade, verdade seja dita que empresários não lhe faltam. São aos milhares. Sobretudo na área da tecnologia. E foram estes mesmos empresários - nós, empresários- que implantaram todas as empresas de subcontratação que agora praticamente governam a América.
Primeira página do livro O Tigre Branco, de Aravind Adiga, EDITORIAL PRESENÇA, 1ª edição, Março 2009
Da contra capa:
Premiado com o Booker Prize de 2008, O Tigre Branco é um romance de estreia auspicioso que, sem cair no cliché do romantismo exótico e superficial, nos revela uma Índia ainda muito pouco explorada pela ficção, a Índia negra, violenta e exuberante das desigualdades socioculturais endémicas. Aravind Adiga oferece-nos um retrato cru e muito pouco glamoroso da desumana realidade de vida das classes mais pobres pela voz espirituosa e mordaz do narrador, Balram Halwai, um jovem que cresce no interior miserável da Índia e se torna um empresário de sucesso em Bangalore. E é através do seu percurso moralmente ambíguo que conhecemos as discrepâncias chocantes entre o luxo extravagante da elite rica dos boulevards e a luta desesperada pela sobrevivência dos que nada têm. Uma comédia negra irreverente que desmistifica a Índia lírica e nostálgica que tantas vezes idealizamos.