sexta-feira, junho 09, 2006

Quem é John Matias?

Sempre nos demos mal com a norma. Os portugueses não são um povo dado a insurreições mas se poderem defecar em cima da lei, fazem-no. Este é o país onde um acidente por excesso de velocidade é encarado como uma contingência da audácia rodoviária. Somos heróis à nossa maneira. Europeus, mas especiais. Uma espécie de Epá sem chiclet. De facto, Portugal vê a Europa como um gelado. O problema é que está sempre a chupar no pau.
Falemos agora dos males da época.
A espécie mais exemplificativa do charme luso é John Matias. Quem é John Matias? Passo a explicar:

Newark – 8:30 a.m.

Numa casa de um bairro de subúrbio votado ao esquecimento pela polícia, um casal com dois filhos faz as malas para partir de férias.
- Bob, onde está a tua irmã? – pergunta a mãe – Já são horas!
- Está no W.C. a vomitar. Ontem ela break-up com o boyfriend e depois apanhou uma carroça.
- Ó Bob, diz a essa motherfucker que se não sai da casa de banho enfio-lhe um estouro no ass! – grita, John Matias, o extremoso pai revoltado.
Tudo se resolve. A família sai de casa bem trajada:
Pai – T-Shirt lilás sem mangas, contrafacção da Armani, calções pretos e sapatilhas brancas Nike.
Mãe – Fato-de-treino adidas verde, também contrafacção, sapatilhas Nike brancas, óculos de sol castanhos e duas latas de laca no cabelo.
Filho – T-Shirt do Benfica, calções Benfica TBZ e sapatilhas brancas Nike.
Filha – T-Shirt branca com a cara da Madonna estampada, mini-saia de ganga e sapatos rosa de salto alto.
A ida para o aeroporto faz-se de autocarro disponibilizado pela companhia aérea. Pelo caminho, o pai Matias recorda com saudade os seus tempos de menino e o lançamento do primeiro álbum do Boy George.
A viagem de avião para Portugal é rapidamente efectuada. No aeroporto de Lisboa as irmãs de John Matias esperam-no.
- Oh, João, Oh, João – gritam com as lágrimas nos olhos.
- Ó pai, quem é esse João? – pergunta Christie Carina, a filha do casal.
- Era assim que me chamavam quando eu ainda vivia in Portugal – responde
- Voltaste! – continuam as histerias irmãs – Estás mais gordo. Já viste o ácido úrico? Olha que o Sr. Justino da junta morreu a semana passada por causa disso.
A conversa, as lágrimas, o ranho e a loucura continuam. Ao longe, os dois filhos do casal visionam toda esta cena com o espanto de quem chegou a um zoo.
John Matias, mede 1,64m. Pesa 94kg. Ostenta bigode, é calvo e usa mais comprida a unha do dedo mínimo da mão direita. Fuma. Cospe para chão e rega a sua existência com flatos. Em breve estará a caminho do Lindoso, onde, depois de cumprimentar o resto da família, comerá meio presunto e dois litros de vinho para empanturrar a saudade. Calada a boca da fome, falará nas vicissitudes da emigração e no quão infinitamente melhor é viver um ano na penúria para poder esbanjar tudo no verão em futilidades num país que já foi seu.
Christie Carina e Bob estarão sentados no alpendre da casa. Ele suspirando pela Playstation e por civilização, ela vertendo lágrimas de dor depois de ter descoberto que o sexo anal pode não ser o suficiente para obrigar um adolescente a continuar um namoro.
Sheila Maria, a mulher de John, olha para fotos do marido no tempo da tropa com 40 Kg a menos e questiona-se como é que um homem outrora atraente pôde degenerar numa espécie de estupidez com sotaque.

Lá fora está calor, o país desidrata-se; seca.
Bandeiras na janela. Scolari na presidência.
O défice social adormece ao som de relatos de futebóis. Um povo embalado pela falsa música de um hino ao serviço de uma federação.

Não.
Não.

Deixem-me dormir.
Deixem-me.
A minha bandeira é branca.

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