sábado, abril 29, 2006

Chelsea é bi-campeão Inglês

O Chelsea FC sagrou-se este sábado bicampeão inglês em grande estilo. Ao receber em Stamford Bridge o seu adversário directo na corrida pelo título, o Manchester United FC de Cristiano Ronaldo, a turma de José Mourinho necessitava apenas de um empate para revalidar o ceptro. Porém, os "blues" quiseram fazer a festa da melhor forma possível e bateram o United por claros 3-0, com Ricardo Carvalho a apontar o derradeiro golo.
E para que não restassem dúvidas sobre de quem era o dia, William Gallas fez o 1-0 logo aos 4 minutos, de cabeça, na sequência de um pontapé de canto apontado por Frank Lampard. Um golo que surgiu cedo, mas que espelhou a superioridade da formação do Chelsea, que apresentou Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho a titulares, para além de Maniche no banco de suplentes. Com Cristiano Ronaldo na equipa, os "red devils" tentaram reagir e Wayne Rooney esteve perto de marcar aos 21 minutos. Porém, o Chelsea tinha total controlo sobre as operações.
Quem esperava uma reviravolta dos visitantes na segunda parte, enganou-se redondamente. Aos 60 minutos, o Chelsea aumentou a vantagem para 2-0, desta feita por intermédio de Joe Cole, e a festa começou em Stamford Bridge. Mas o melhor momento da tarde ainda estava para vir. Aos 73 minutos, o português Ricardo Carvalho efectuou uma grande jogada e aumentou para 3-0, para gáudio dos adeptos que enchiam o estádio. O jogo estava resolvido e Chelsea sagrava-se campeão de Inglaterra pela segunda temporada consecutiva.
Um ano menos um dia depois, José Mourinho voltou a festejar um troféu e continua "em grande", apesar de esta ter sido a época "menos conseguida", ao contabilizar "apenas" um sucesso.
Envergando um cachecol de Portugal, Mourinho esteve no centro da festa que se antecipava, recebendo pelo quarto ano consecutivo um troféu de campeão nacional - depois de dois pelo FC Porto, em Portugal, agora dois pelo Chelsea.

Verdadeiro ídolo do Chelsea, a quem "deu" dois dos três campeonatos do historial, o "manager especial", como ele próprio se chamou, nasceu em Setúbal a 26 de Janeiro de 1963 e atinge os 43 com o melhor palmarés de treinador da actualidade, por muito que isso irrite a concorrência.
Em 2005/2006, o Chelsea falhou na Liga dos Campeões (eliminado pelo Barcelona), na Taça (afastado pelo Liverpool) e na Taça da Liga (pelo Charlton), mas no campeonato conseguiu uma bela proeza, liderando da primeira à última jornada.

No entanto, nem tudo são rosas para Mourinho apesar de ter conquistado o segundo título consecutivo. Em declarações após o jogo com o Manchester United, o "Special One" surpreendeu: "No decurso da época pensei mais do que uma vez em bater com a porta e ir-me embora no final da temporada. Este é o pior clube do Mundo para se ser treinador, mas estou muito, muito feliz por ter decido ficar, porque ao fim e ao resto é um clube especial".
Mais adiante, José Mourinho explicou o porquê do seu mau estar: "Antes do início da temporada tivemos nove jogos sem perder e mais tarde conseguimos outra fase de muitas vitórias, mas nunca, nunca, nunca fui escolhido para 'treinador do mês'... Ninguém te reconhece o mérito se fores treinador do Chelsea... Posto isto, percebe-se porque é que eu devia ser o treinador mais feliz do Mundo, após ter ganho dois campeonatos seguidos, mas na realidade não sou...".
Parabéns ao "Special One", ao Silvino, ao Paulo Ferreira e ao Ricardo Carvalho.
Fontes:Uefa, Lusa e Jogo.

José Mourinho, o Arrogante?


José Mourinho é, indiscutivelmente, uma personalidade controversa. No entanto, algumas das opiniões acerca dele começam a exasperar-me, chegou a um ponto de que quase não pode fazer nada sem aparecerem logo os iluminados a criticar, a chamar a atenção para os seus pensamentos, palavras, actos e omissões. É, por isso, que forma nobre e altiva (ao contrário de arrogante) como resiste aos ataques de uns quantos amantes da subserviência é claramente algo digno de ser realçado.
Como abutres a rondar uma carcaça de um animal doente, esperam um sinal de fraqueza que lhes garanta uma posição de vantagem de modo a sentirem-se bem consigo próprios e a conseguirem esquecer as suas próprias frustrações. O que é vago e incoerente nesta tentativa de o desacreditar é a argumentação aplicada. O epíteto de arrogante é, por isso, altamente discutível e o seu significado depende claramente de quem o profere. Sendo assim, as razões para estes ódios de estimação resumem-se rapidamente.
Por conseguinte, há pessoas que não sabem lidar com o seu insucesso e, ao mesmo tempo, vivem permanentemente na esperança que alguém lhes descubra o seu talento escondido. Só que as oportunidades e o tempo passam de forma vertiginosa, escapando ao seu controlo. Se, num determinado momento, uma pessoa se destaca dos seus pares, estes interpretam este facto como uma lembrança permanente da sua vulgaridade existencial. Não passam de quase virtuosos e sabem-no. O quase faz toda a diferença, sendo responsável por este estado de frustração em que vivem, sem se conseguirem libertar da pergunta que os destrói como uma doença – Porquê ele e não eu?
Então, quando o sucesso alheio vai ganhando substância ao ponto do consenso quase generalizado, este sentimento transforma-se em ódio visceral, assumindo o objecto de ciúme um papel de inimigo de estimação a ser criticado e ridicularizado a cada oportunidade. Partindo do princípio que as pessoas não concebem ser indiferentes aos outros, é como se tudo o que o odiado disser ou fizer configure uma provocação pessoal.
O que acontece, normalmente, é que quem tem sucesso a este nível, raramente dá razão para se atacar o trabalho e, portanto, as opções de ataque limitam-se ao homem., sendo esta atitude uma demonstração de ódio pessoal perante a ausência de outros argumentos.
Surge então a inveja que se traduz de várias formas. Há aqueles que invejam sem desejar o mal, porque é próprio da natureza humana, e há os outros que invejam e que, como resultado de alguma lucidez relativamente à sua própria mediocridade, não lhes basta invejar, desejam claramente que quem atingiu um patamar que eles almejam apesar de o saberem ser inatingível, caia em desgraça. É como se, no seu íntimo, preferissem dizer coitadinho do drogado do que parabéns pelo sucesso.
A inveja, como escreveu e muito bem na revista DEZ, é a arma dos incompetentes e dos frustrados. Provavelmente não é à toa que a última palavra dos Lusíadas é Inveja. Camões, na sua imensa capacidade de metaforizar os defeitos dos portugueses, escolheu talvez a mais marcante de todas.
Mourinho suscita este tipo de sentimentos e ambiguidades. Todavia, como alguém um dia disse – A modéstia é uma qualidade excessivamente valorizada. José Mourinho não é modesto, mas, indiscutivelmente não o pode, sob pena de cair no ridículo, nem tem que o ser. Os resultados estão à vista. Só não vê quem não quer, ou então tem uma compreensão errada da natureza da estatística. No caso de Mourinho, pode não gostar-se do estilo, mas pelo menos respeite-se o óbvio.
Na mesma medida, é irrefutável dizer – A falsa modéstia é um defeito excessivamente desvalorizado. Os falsos modestos que grassam pelo mundo, de quem todos aparentemente tanto gostam, para além do grave defeito de carácter, gostam de ser bajulados, necessitam, em regime permanência, que quem os rodeia se refira à sua grandeza para que, também quem o diz, não se esqueça desse facto.
É como se quem tiver sucesso tiver de pedir desculpa pelo facto de o ter. Ora, isto configura uma inversão dos conceitos e a pergunta do ignóbil jornalista espanhol é bem elucidativa disso mesmo. Para além da resposta que teve, a sua intervenção é uma tentativa de insulto que rebate para quem o proferiu. A questão era ofensiva, redutora mas revela mais sobre quem questiona do que sobre o questionado.
Carlos Tê escreveu e Rui Veloso deu a voz a um pensamento que melhor traduz estes sentimentos:
"...Já bebi a minha conta
E a taberna está fechada
Vinguei-me hoje da afronta
Que o mundo me fez passar
Passam-se os anos na pele
Numa azia sem sentido
E a gente acumula o fel
Do tempo mal digerido..."
Ainda no seu artigo semanal na DEZ, faz referência ao desperdício do potencial humano. A exortação à inteligência por parte de algumas pessoas que se julgam os donos do mundo, como Sousa Cintra no Sporting quando despediu Bobby Robson e Mourinho, é reveladora disso mesmo. C
oncordo, plenamente, com a análise de Mourinho da realidade Portuguesa.
O fado português traduz-se, também, na opinião que têm no estrangeiro dos nossos concidadãos. É como se a cidadania portuguesa fosse uma espécie de doença contagiosa. Sobre os que andam a “pastar”, eu fui um dos que ao ler as suas palavras aprendi uma lição. Neste momento posso dizê-lo com toda a segurança jamais deixarei de defender um clube português e o segundo clube do meu coração será aquele onde José Mourinho estiver.
A juntar a isto, alguns insuportáveis comentadores desportivos, que aos cinco minutos de jogo, recorrente a advérbios de tempo demasiado enfatizados pelo timbre da voz (O Chelsea não está a jogar absolutamente nada), parecendo, desta forma, que naquele e em qualquer outro momento, a equipa tivesse a obrigação de estar a dar um banho de bola e a ganhar cinco a zero. Além de tentar anular o mérito de Mourinho, desvalorizam os seus adversários de forma atroz.
Finalmente, como português que é e se afirma pela competência, tem que ser duas vezes mais competente que um brasileiro (os donos da sapiência futebolística por direito próprio auto proclamado), 3 vezes mais competente que um espanhol (para quem Portugal e os portugueses são uma província e um povo abandonados por que não desejados), 4 vezes mais que um francês (o pais onde os Manueis e as Marias eram empregado para fazer o trabalho que os franceses não queriam sendo depreciativamente tratados por isso mesmo) e seis vezes mais competente que um inglês (que se acham acima de toda a humanidade). Só assim terá a aceitação de todos.

Filipe Pinto.(Postado em 15 de Março)

sexta-feira, abril 28, 2006

Os Setenta Anos do “Campo da Morte Lenta”

Em Abril de 1936, mais precisamente no dia 23, o decreto n.º 25 539 criava a Colónia Penal do Tarrafal, na ilha cabo­‑verdiana de Santiago. A criação daquele que ficou conhecido como o “Campo da Morte Lenta” foi mais um passo decisivo na instauração de um regime fascista em Portugal, em muito semelhante aos que vigoravam na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler.
«Quem vem para o Tarrafal vem para morrer!». Assim recebia os presos Manuel dos Reis, durante anos director daquela “Colónia Penal”. Estas palavras resumiam como nenhumas outras os verdadeiros objectivos que estiveram na base da criação do campo de concentração do Tarrafal. Muito para lá do objectivo hipocritamente proclamado no decreto fundador, de «recolher os presos condenados a pena de desterro, pela prática de crimes políticos», com a criação do campo de concentração pretendia­‑se a eliminação física dos opositores políticos do fascismo.
Durante os 18 anos em que funcionou, o Tarrafal ceifou a vida a 32 antifascistas, entre os quais o secretário­‑geral do PCP, Bento Gonçalves. Alguns dos prisioneiros acabariam mesmo por falecer anos depois de expirada a pena a que tinham sido condenados. Muitos dos presos nunca tiveram pena sequer. Era assim a “legalidade” fascista… Durante este período, passaram pelo campo da Achada Grande do Tarrafal, na ilha de Santiago, 340 prisioneiros, que cumpriram, somados, um total de dois mil anos, onze meses e cinco dias de prisão.
Outro ponto do decreto fundador do campo de concentração apontava a instalação da “colónia penal” num local que salvaguardasse as «melhores condições de salubridade e funcionamento». Suprema hipocrisia. Mais uma vez, a realidade revela a verdadeira natureza do campo e os seus objectivos. A Achada Grande do Tarrafal é, do ponto de vista climático, uma das piores zonas de Cabo Verde.
Afirma Cândido de Oliveira, no seu livro Tarrafal, o pântano da morte, que na região não havia água potável e que «nada ali se produz a não ser milho – e quando chove». Prosseguindo o seu relato, denunciava: «As “condições necessárias” satisfatórias, evidentemente, significam a instalação da colónia num pântano da baía do Tarrafal, na zona de mais intenso paludismo de Cabo Verde; e a certeza de que a maioria dos deportados seria dizimada pela biliosa ou ficaria com a saúde tão abalada pelo paludismo crónico que, regressados à metrópole, não teriam vontade de prosseguir na actividade antifascista.»
Somando a isto a falta de medicamentos, a má alimentação, os trabalhos forçados e a brutalidade dos carcereiros, pouco ou nada destinguia o Tarrafal dos muitos campos de concentração que, na época, polvilhavam o continente europeu. Os objectivos eram os mesmos. Os métodos também.
Com o fim da II Guerra e com a derrota dos aliados ideológicos do fascismo português, a manutenção de um campo de concentração torna-se insustentável. Graças à luta do povo português e à solidariedade internacional, a ditadura é obrigada a encerrar o Tarrafal em 1954. Ainda voltaria a abrir, anos mais tarde, para encarcerar os patriotas angolanos que combatiam o colonialismo português.

«TUDO CONTRA A NAÇÃO, NADA CONTRA A NAÇÃO!»

A criação da Colónia Penal do Tarrafal, em Abril de 1936, e a chegada dos primeiros prisioneiros, em Outubro do mesmo ano, foi um passo decisivo e particularmente brutal na fascização do Estado. Mas esteve longe, muito longe, de ser o único.
Tomando como modelo a Itália de Mussolini, o salazarismo começou desde cedo a construir o edifício fascista em Portugal. Em Julho de 1930 é criado o partido único, a União Nacional e, em 1932, o ditador formula a sua concepção de “Estado forte”: reforço dos poderes do governo, abolição dos partidos e interdição dos sindicatos, manutenção da censura imposta com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, modernização da polícia e das forças armadas. A Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), que antecedeu a PIDE, é criada em 29 de Agosto de 1933.
A 19 de Março de 1933 é proclamada a Constituição, depois de um “plebiscito” em que é reprimida qualquer propaganda da oposição e as abstenções são contadas como votos a favor. Com a promulgação da Constituição, o fascismo institucionalizava-se e terminava o chamado “período de transição”, iniciado com o golpe de 1926. Em Setembro do mesmo ano, é publicado o Estatuto do Trabalho Nacional, à semelhança da Carta del Lavoro italiana. São criados os “Sindicatos Nacionais” e é imposto o modelo corporativo de organização dos trabalhadores, do patronato, e da sua relação com o Estado.
Em 1935, os funcionários públicos passam a ser obrigados a assinar uma declaração anticomunista e o governo é autorizado a suspender e a demitir das suas funções aqueles que não derem provas de aceitação e fidelidade aos princípios da Constituição fascista. São demitidos milhares de funcionários públicos. No ano seguinte, e à imagem da Alemanha nazi, é criada a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa.
Ao mesmo tempo, o fascismo promove a concentração capitalista. Como escreveu Álvaro Cunhal no Rumo à Vitória, «em 1926, na indústria, como na banca e no comércio, ainda a média burguesia tinha um peso considerável. Ainda na maior parte dos ramos industriais estava ausente o domínio monopolista». O golpe militar de 1926 e a ditadura fascista, prossegue, «foi preparado e executado pelas forças reaccionárias do grande capital e dos grandes agrários. O objectivo foi pôr o aparelho de Estado ao seu serviço, arredar do poder a pequena e a média burguesia, travar o movimento operário».

«UM RECTÂNGULO DE ARAME FARPADO»


«O campo de concentração do Tarrafal é um rectângulo de arame farpado, exteriormente contornado por uma vala de quatro metros de largura e três de profundidade. Tem duzentos metros de comprimento por cento e cinquenta de largo e está encravado numa planície que o mar limita pelo poente e uma cadeia de montes por Norte, Sul e nascente». Assim descreve Pedro Soares o campo de concentração para onde foi enviado em Outubro de 1936 e, depois, novamente, em 1940.
Com a terra tirada para fazer a vala, foi feito um talude «que se eleva a três metros acima do nível do campo». Lá dentro, prossegue, «há apenas quatro barracões sem higiene, algumas barracas de madeira, nas quais estão instaladas as oficinas e o balneário, uma cozinha, sem condições de asseio, e algumas árvores».
No seu relato, o comunista (falecido pouco depois do 25 de Abril num acidente de viação juntamente com a sua companheira Maria Luísa da Costa Dias) destacava ainda que «a falta de vegetação, os montes escarpados, o mar e o isolamento a que os presos estão submetidos, dão à vida, aí, uma monotonia que torna mais insuportável o cativeiro». Como únicos vestígios do mundo, havia o «ar carrancudo dos guardas e das sentinelas negras que vigiam, as cartas das famílias que demoram meses a chegar, e dias a ser distribuídas, os castigos e os enxovalhos, os trabalhos forçados, as doenças e a morte de alguns companheiros».
Pedro Soares encontrava-se no grupo de 150 presos que inauguraram, em Outubro de 1936, o famigerado campo. Durante quase dois anos, foram alojados em doze barracas de lona, com sete metros de comprimento por quatro de largo, onde deveriam viver doze homens. «Essas barracas, que o sol e a chuva depressa apodreceram, serviram para nos arruinar a saúde.»

A “FRIGIDEIRA”

Se o Tarrafal passa à história como o “Campo da Morte Lenta” muito o deve à famosa “frigideira”, uma caixa de cimento para onde eram enviados os presos que ficavam de “castigo”. Conta Francisco Miguel, histórico militante comunista, que «lá dentro era um forno» e que «aquela prisão merecia o nome que lhe tínhamos dado».
Num impressionante relato, o comunista recordava: «O sol batia na porta de ferro e o calor ia­‑se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A “frigideira” teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto.»
Mais adiante, Francisco Miguel lembrava que «pouco depois de o Sol nascer já o ar se tornava abafado, irrespirável. Despíamos a roupa e estendíamo-nos no cimento para nela nos deitarmos. O Sol ia­‑se erguendo sobre o horizonte e o calor aumentava, aumentava e suávamos, suávamos. Sentíamos sede, batíamos na porta a pedir água, mas não tínhamos resposta. A água da bilha não tardava em ficar quente. Havia momentos em que a sede era tanta que passávamos a língua pela parede por onde escorriam as gotas da nossa respiração que ali se condensava. Os dias pareciam infindáveis. Suspirávamos pela noite, pois o frio nos era mais fácil de suportar. Mas pelo entardecer também a sede aumentava. A excessiva transpiração não era devidamente compensada. A “frigideira” matava». Francisco Miguel passou na “frigideira” mais de cem dias. A sua saúde ficou arrasada. Mas, como muitos outros, não cedeu.
Gustavo Carneiro.
Avante!

quarta-feira, abril 26, 2006

Desastre Nuclear de Tchernobil


Escrevia ontem no jornal Público, o ex. Presidente da ex.União Soviética, Mikhail Gorvatchov, que “ o desastre nuclear de Tchernobil…foi, ainda mais do que o lançamento da minha Perestroika, a verdadeira causa do colapso da União Soviética cinco anos depois. De facto, a catástrofe de Tchernobil foi um momento de viragem histórico :houve uma era antes do desastre e há uma nova era depois dele”, sendo verdade que o colapso da União Soviética, foi um dos acontecimentos históricos mais significativos para o Mundo, no último quarto do século passado, o preço pago e a pagar, é demasiado elevado.
Há 20 anos, em 26 Abril de 1986, o mundo acorda para o pesadelo dos desastres nucleares .

Às 01h23 da manhã, explode o reactor número quatro do complexo nuclear de Tchernobil, na União Soviética. O incêndio provoca a destruição parcial do coração do reactor que, no momento, funcionava a apenas sete por cento da sua potência normal, pois encontrava-se em fase de descarga de combustível. Às 01h25 os bombeiros da central começam a atacar o incêndio. Às 02h15, as autoridades de Pripyat (localidade mais próxima) interditam a região num raio de 15 quilómetros. Entretanto, a estação meteorológica mais próxima regista um aumento anormal de radioactividade. No dia 27, com a extinção do incêndio, começa a evacuação de 50 mil pessoas da cidade de Pripyat, em 1100 autocarros formando uma coluna de 27 quilómetros. Na Ucrânia, as autoridades estendem o perímetro de segurança para 30 quilómetros. No dia 28, o ministro sueco da energia e o ministro do ambiente da Dinamarca solicitam à União Soviética explicações sobre a origem da poluição radioactiva detectada, fazendo-se a evacuação dos habitantes num raio de 30 quilómetros da central. Às 21h00, a agência noticiosa soviética, TASS, emite um comunicado do Conselho de Ministros da União Soviética, admitindo um acidente nuclear em Tchernobil, com uma quantidade indefinida de mortos.
Sobre este atraso na divulgação da notícia ao mundo, diz Gorbatchov, que “…o mundo soube do desastre através de cientistas suecos, criando a impressão de que estávamos a esconder alguma coisa. Mas, na verdade, não tínhamos nada a esconder e, simplesmente, não tivemos qualquer informação durante um dia e meio. Só alguns dias depois soubemos que o que aconteceu não foi um simples acidente mas uma verdadeira catástrofe nuclear…” .
A nuvem radioactiva afectou principalmente a Ucrânia, a Finlândia, a Suécia, a Polónia, a Alemanha Ocidental e Oriental e a França. Além das perdas humanas, a radioactividade de Tchernobil contaminou os solos e águas de 137 mil quilómetros quadrados de territórios na Ucrânia, na Bielorússia e na Rússia. Tchernobil inutilizou ainda 114 mil hectares de terra e 492 mil hectares de floresta, forçando cerca de, 400 mil pessoas a abandonarem as suas habitações. O acidente provocou a morte de 59 pessoas e libertou uma radiação duzentas vezes superior às bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui.
“Tchernobil abriu-me os olhos como nenhum outro acontecimento: mostrou-me as horríveis consequências do poder nuclear, mesmo quando não é usado para fins militares. Agora todos podemos perceber melhor o que aconteceria se uma bomba atómica explodisse. Há cientistas que dizem que apenas um SS-18 pode conter 100 Tchernobils.”, diz Gorbatchov.

Fotografia, EPA/Sergey Dolzhenko. Vyacheslav Konovalov, biólogo ucraniano exibe um feto humano e um de um porco. Konovalov estuda as mutações biológicas provocadas pela exposição a radiações.
Passados 20 anos sobre Tchernobil, ainda não há consenso sobre o número de vítimas. Segundo a Organização das Nações Unidas, apenas 59 pessoas morreram devido ao acidente e estima em 4 mil o número dos que podem vir a perder a vida devido a cancros. Por sua vez a Organização Não Governamental, Greenpeace, garante que o acidente causou, nos países mais afectados, a Ucrânia, a Rússia, e a Bielorússia, cerca de 200 mil mortos.

Dados apresentados por cientistas apontam para que mais de 200 mil de pessoas nas próximas gerações possam continuar a ser afectadas pelo maior acidente do género da história da humanidade. Actualmente, a radioactividade libertada é associada a aproximadamente quatro mil casos de cancro na tiróide. Cientistas israelitas e ucranianos também descobriram evidências de que pequenas doses de radiação poderiam provocar mudanças no ADN humano e que estas passam para futuras gerações. As análises a crianças, que nasceram depois da explosão de Tchernobil, descendentes de pais que limparam o reactor da central nuclear russa, registaram um grande aumento de mutações, que poderão ser de longa duração, revelou um estudo.
Mikhail Gorbachov termina o seu artigo com uma mensagem de esperança, “O 20º aniversário da catástrofe de Tchernobil recorda-nos que não devemos esquecer a terrível lição ensinada ao mundo em 1986. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para tornar as instalações nucleares seguras. E devemos também começar seriamente a trabalhar na produção de formas de energia alternativa.”
Numa altura em que o debate sobre a energia nuclear parece querer voltar à agenda política portuguesa, estas sábias palavras de Mikhail Gorbatchov, devem servir de alavanca a todos aqueles, que querem o país longe, da opção da energia nuclear.

sexta-feira, abril 21, 2006

Desligue a TV


A televisão ocupa um espaço significativo na vida quotidiana dos portugueses. Não tenho números certos, mas certamente haverão mais televisores em Portugal que lares. Independente do nível social, a televisão está presente em todos os lares e representa a principal fonte de informação e diversão, de uma esmagadora maioria dos portugueses. A televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal, podemos dizer que é em potência o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz Divina. Assim continuará, por muito tempo, enquanto continuarmos a suportar os seus abusos e a sua programação de baixo nível cultural.
Fiquei a saber hoje, que existe uma Organização Não Governamental (ONG), que se propõe a discutir e a pôr em causa, a maneira como passamos o tempo em frente da “caixinha mágica”. Esta ONG é a TV-Turnoff Network( http://www.tvturnoff.org/) e a sua congénere brasileira é a Desligue a TV (www.desligueatv.org.br).
A TV-Turnoff Network, é uma organização americana sem fins lucrativos que encoraja crianças e adultos a verem menos televisão com o intuito de promover vidas e comunidades mais saudáveis. Fundada em 1994, TV-Turnoff Network dedica-se à crença de que todos nós temos o poder de determinar o papel que a televisão terá nas nossas vidas. Ao invés de esperarmos que os produtores façam uma melhor programação televisiva, podemos desligá-la com mais frequência para nos dedicar às nossas famílias, aos nossos amigos e a nós mesmos. TV-Turnoff Network já ajudou milhares de pessoas a fazerem exactamente isso. Com os seus dois programas iniciais, o TV-Turnoff Week (Semana Sem Televisão) e o More Reading, Less TV (Mais Leitura, Menos TV), ajuda as pessoas, especialmente as crianças, a desligarem a televisão e a terem actividades diferentes, especialmente ao ar livre. Na “Semana Sem Televisão”, vários programas são propostos e implementados, actividades desportivas, cinemas e teatros com promoções e horários alternativos, caminhadas ecológicas, passeio turísticos, visitas a museus com programação e preços especiais, festivais de música e poesia, livrarias como centro de convivência e estímulo à leitura, e conversa, com amigos, família e filhos. Por mais difícil que esta tarefa possa parecer, a sua forma de aplicação, agregando vários sectores da sociedade, tem atingido resultados surpreendentes, desde 1995, mais de 24 milhões de pessoas já participaram no projecto em mais de 84 países como: Canadá, México, Coreia do Sul, Noruega, Itália, e muitos outros.
Para finalizar deixo aqui as palavras de John Condry, no livro “Televisão: Um Perigo Para a Democracia”, feito a duas mãos, juntamente com Karl Popper:

“A televisão não está predestinada a desaparecer e é pouco provável que venha a constituir um ambiente favorável à socialização das crianças. É uma realidade que devemos aceitar. Podemos tentar melhorar as coisas, garantir que os programas que oferecemos aos nossos filhos sejam de melhor qualidade, mas o mais importante é mostrarmos às crianças que a televisão não é uma fonte de informação sobre o mundo. Se queremos que consagrem menos tempo à televisão, devemos propor-lhes outras actividades. O que faz falta às crianças é mais experiência e menos televisão.
A televisão não é capaz de ensinar às crianças aquilo que necessitam para se tornarem adultos. A televisão é um instrumento publicitário, e é legítimo que ocupe um lugar enquanto tal. Pode ser uma diversão, e o facto de nos divertir-mos não é mau em si. Pode ter um papel de informação e isso é uma coisa boa. Contudo não consegue ser um instrumento de socialização válido. É isso que devemos reconhecer e é sobre esse problema que devemos intervir. A escola e a família devem desempenhar um papel essencial neste domínio e agir mais do que presentemente; e é preciso ajudá-las na medida do possível. Poderíamos começar por reduzir a influência que a televisão exerce na vida das crianças. Seria um bom começo. Chegou o momento de darmos esse passo”.
Este ano, a “Semana Sem Televisão”, é entre 24 de Abril e 30 de Abril.

quinta-feira, abril 20, 2006

Nós e a Estrada


No final das operações de vigilância das estradas em épocas que coincidem com os principias feriados e com grandes deslocações na população, faz-se um balanço que é, invariavelmente, dramático. Os mortos são sempre muitos, os feridos imensos e os acidentes incontáveis. As causas todos as conhecem. As medidas para a resolução dos problemas não conseguem ter efeitos significativos.
Uma forma de enquadrar estas conclusões acaba por ser partilhar a experiência do que é morar na proximidade de uma estrada como o IP4 tentando, desta forma, mostrar o que significa conviver em permanência com o infortúnio resultante dos acidentes que frequentemente sucedem numa estrada como esta.
Certo dia assisti a uma conversa, quando passeava na cidade, bastante elucidativa no que diz respeito ao carácter desconcertante dos comportamentos que as pessoas foram desenvolvendo relativamente às sucessivas tragédias que ocorrem naquele itinerário O assunto era sobre a direcção que uma ambulância seguia, cuja sirene se fazia ouvir aos berros a uma velocidade quase alucinante. O seu conteúdo resume-se facilmente.
Um dos intervenientes fez referência à ambulância, o seu interlocutor rapidamente disse que deveria ser mais um acidente no IP4.Não foi o facto de ter estabelecido a ligação de imediato. Foi a forma como o disse e o timbre de voz utilizado que me deixaram espantado. Um misto de resignação conjugado com uma assustadora certeza na afirmação, como se a sua suposição fosse algo mais que isso, a única hipótese plausível para o surgimento da ambulância. Esta certeza é, por si só, absolutamente desconcertante. É como se o epíteto de “estrada da morte” implicasse de facto uma fatalidade a cada sinal de urgência. Pior que isso, o aparente condicionamento surgido da convivência diária com esta realidade, parece ter como consequência um distanciamento psicológico, em que mais um acidente já não provoca qualquer tipo de choque.
Aliás, uma das mais pungentes ocorrências que testemunhei está precisamente relacionada com o acidente de um amigo.
Num dia como tantos outros, no caminho para o trabalho, oiço no rádio a anunciar um acidente de viação no IP4. Nada de anormal até aqui. Como já sucedeu algumas vezes e porque esse é o seu percurso diário, normalmente, recebo uma chamada a pedir para eu avisar no serviço que vai chegar tarde. As filas resultantes costumam ser grandes e demoradas. De facto recebi a chamada, mas para meu espanto, não me disse que ia chegar atrasado, mas sim que o acidente tinha sido com ele.
Desloquei-me ao local e, ao chegar, o aparato do costume, enfim nada a que quase toda a população portuguesa ainda não tenha feito. Dirijo-me ao carro e subitamente apercebi-me da frágil condição humana, numa reacção desencadeada pelo aparecimento de pessoas com relações de amizade e que, instintivamente, nos fazem ceder aos nossos sentimentos mais profundos.
Assim, com a voz embargada, com lágrimas nos olhos, num rasgo de clarividência evidentemente relacionado com a proximidade com a morte, apenas disse:
-Pensei que nunca mais via os meus filhos.
Fui trespassado por um sentimento de solidariedade. Nesse momento, as lágrimas acercaram-se dos meus olhos e apenas não chorei por mero acaso.O resto não interessa.
Este drama humano, tantas vezes visto e revisto, terminou sem sequelas maiores, mas quantos e quantos não voltaram a ver os filhos, as mulheres e os maridos, os pais e os irmãos. Um manto de morte distende-se ominosamente sobre todas as estradas e parece que não faz diferença absolutamente nenhuma. Tudo o que se diz e faz não passa, por um lado, de meros artifícios de linguagem e, por outro lado medidas preventivas sem resultados, invariavelmente, são esquecidos. Nos carros, as pessoas convivem em permanência com esta condição, pensando que um dia, nesta ou naquela estrada serão confrontados com uma situação semelhante, ou pior.
Regressando às causas parece-me evidente que não podemos imputar os acidentes apenas à qualidade das estradas. As duas principais são o álcool e o excesso de velocidade.
Quanto ao primeiro, está regulado e apenas depende da consciência de cada um.
Quanto a o segundo, ocorre-me a história do escorpião e da rã: Resumidamente a rã ofereceu-se para atravessar o escorpião num riacho. A meio do caminho este espetou o seu ferrão na rã, que já moribunda lhe pergunta
– Porque fizeste isto?
Agora vamos morrer os dois.
Resposta – Não consegui evitar. È a minha natureza.
Quer isto dizer que é muito difícil resistir à tentações, aos fluxos de adrenalina provocados pela velocidade e que viciam e, com os meios disponíveis, utilizam-se. Em Portugal, o nível da falta de civismo na condução é insuperável. Após as várias tentativas infrutíferas de o transmitir à população, tudo continua vergonhosamente na mesma. É, por isso, que provavelmente não é feita a abordagem ao problema que a gravidade da situação exige.
Assim, todos sabemos que grande parte dos acidentes são provocados pelo excesso de velocidade e basta comprar uma revista da especialidade e olhar para a coluna das velocidades máximas para verificar que, pura e simplesmente, não existe uma única marca que indique que seu carro não ultrapassa os 120km/h ou mesmo, os 150Km/h.
Estamos perante, claramente, uma espécie de fábrica de ilusões. É irrefutável que saber de antemão que ao por à disposição das pessoas algo que os pode levar a violar a lei é um estímulo que deveria ser controlado por quem o pode fazer, nomeadamente o Estado, à semelhança do que faz com muitas outras coisas.
Provavelmente, o que é necessário é coragem para regulamentar e enfrentar os lóbis dos construtores de automóveis e ter sempre presente que, ao que parece, a única pessoa que conseguiu resistir à tentação, foi Jesus Cristo.
Filipe Pinto.

terça-feira, abril 18, 2006

O Massacre de Lisboa


A História de Portugal está repleta de factos gloriosos que nos enobrecem enquanto Nação, porém, também têm alguns acontecimentos hediondos, em que o fanatismo e a intolerância, tomaram conta da multidão, levando-os a assassinar cruel e estupidamente milhares de inocentes.
Nos próximos dias, 19, 20 e 21 de Abril, cumprir-se-ão quinhentos anos, de uma das mais negras e vergonhosas páginas da História de Portugal, o massacre de, entre três mil e quatro mil, cristãos - novos na cidade de Lisboa.
Na segunda metade do século XV, a Península Ibérica tinha mais judeus do que qualquer outra região do mundo. Ocupada durante séculos pelos muçulmanos, que concediam aos judeus liberdade de culto, a Península Ibérica tornou-se um refúgio ideal e palco de uma intensa troca civilizacional entre elementos das culturas cristã, muçulmana e judaica.
Com a chegada ao poder dos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que se auto-intitulavam protectores da Igreja e defensores da fé e, instigados pelo triste e dramaticamente célebre Torquemada, confessor da rainha Isabel e figura principal da Inquisição espanhola, a vida calma dos judeus sefarditas estava a chegar ao fim, com o crescimento da política anti-semita, baseada no desejo de uma unificação e purificação religiosa. Torquemada explorava a desconfiança popular em relação aos judeus e difundia a suposta necessidade de que o país contasse apenas com sangue puramente cristão.
Com um clima de crescente intolerância, em 30 de Março de 1492 Fernando e Isabel publicaram o seu édito de expulsão, que determinava que os judeus que não se convertessem teriam de deixar o país até ao dia 3 de Agosto de 1492 (por curiosidade histórica, este foi o dia em que Cristóvão Colombo, deixou o porto de Palos, na sua viagem de descoberta da América), a partir daí, os que fossem encontrados seriam mortos.
Muitos dos judeus procuraram refúgio em Portugal, (os cálculos sobre os números dos que então se fixaram em Portugal oscilam, segundo as fontes, entre 30 000 e 90 000), sendo protegidos pelo rei Dom João II.
No entanto esta protecção seria sol de pouca dura, pois com a morte do rei D. João II, subiu ao trono de Portugal, D. Manuel I, que começou alimentar o sonho de ser rei de toda a Península Ibérica. O fundamental passo para a sua ambição, era o casamento de D. Manuel com a filha dos Reis Católicos, de modo a facilitar uma união dinástica, no entanto havia uma condição sine qua non para o casamento, a expulsão dos judeus de Portugal. O Rei no seu sonho e ambição, acabou por aceitar a exigência espanhola de expulsar todos os judeus residentes em Portugal que não se convertessem ao catolicismo, assim no dia 5 de Dezembro de 1496, promulgou o édito de expulsão dos judeus. Por este édito os judeus e os mouros deveriam abandonar o reino até Outubro de 1497.
Na realidade D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade, que então constituía um destacado elemento de progresso nos sectores da economia e das profissões liberais. A sua esperança era que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem eventualmente, como cristãos, atingir um maior grau de aculturação. Para obter os seus fins lançou mão de um subterfúgio, em vez de expulsar os judeus, decidiu convertê-los à força, tendo ordenado que os filhos menores de catorze anos fossem tirados aos pais a fim de serem convertidos.

"Na manhã de 19 de Março de 1497, padres e frades alinharam-se no adro de todas as igrejas de Portugal. Mas foram muito poucos os filhos dos judeus conduzidos espontaneamente à pia baptismal. Então, os funcionários do Rei foram de casa em casa e, arrancando os filhos do colo dos pais, levaram-nos à força. Muitos pais sufocaram os filhos ao apertá-los num derradeiro abraço. Muitas mães atiraram os bebés aos poços e depois suicidaram-se". Depois, quando chegou a data do embarque dos que se recusavam a aceitar o catolicismo, alegou que não havia navios suficientes para os levar e determinou um baptismo em massa dos que se tinham concentrado em Lisboa à espera de transporte para outros países. Muitos foram arrastados até à pia baptismal pelas barbas ou pelos cabelos. Ao que parece, cenas semelhantes registaram-se noutras cidades do país. Não existe contudo documentação oficial que confirme estes factos.
No fim do mês de Setembro de 1497, ficava saldado o preço que D. Manuel tivera de pagar para casar com a Princesa Isabel, de Espanha. O Rei respondeu à namorada afirmando que já não havia nenhum judeu em Portugal.
Para além dos que anteriormente tinham aceitado o baptismo sob pressão das circunstâncias, Portugal passava então a contar com uma enorme quantidade de cristãos -novos extremamente relutantes em aceitar o estatuto que lhes fora imposto. A situação dos convertidos era agora trágica. Antes, como judeus, tinham liberdade absoluta de praticar a sua religião. Agora, como cristãos por lei, não poderiam seguir o culto tradicional senão secretamente, sob pena de graves consequências. Céptico quando à ortodoxia dos convertidos, sobretudo dos forçados, D. Manuel promulgou a 30 de Maio de 1498 uma medida no sentido de que durante vinte anos não devessem ser molestados pelas suas convicções ou práticas religiosas.

Até 1506, os cristãos - novos puderam levar uma vida relativamente calma e prosperar. Mas o clero insistia:” O comportamento ambíguo dos marranos,( termo pejorativo, que designava os judeus obrigados a baptizarem-se à força, mas que continuavam a professar secretamente a sua fé), põe em causa muitas das certezas dos cristãos. E as consequências estão à vista: os costumes vão-se degradando, treme até o equilíbrio social. São necessários castigos exemplares, regras rígidas e dissuasoras. Nos casos mais graves, a própria morte.”
Devido a uma violenta seca que assolava Portugal, no princípio do ano de 1506 Portugal estava reduzidol à fome, agravada com uma peste que assolava a cidade de Lisboa, sendo que a sua intensidade em Abril era tanta que chegavam a “morrer um cento de indivíduos por dia”. “A culpa é dos marranos, que provocaram a ira de Deus com os seus pecados contínuos”, era a opinião comum. "Na manhã da Páscoa, 19 de Abril de 1506, uma enorme multidão enche a Igreja de São Domingos, para implorar o fim da epidemia. Por entre densas espirais de incenso e cânticos lúgubres, celebra-se a missa na Capela de Jesus. No momento da consagração, do braço de um crucifixo de madeira erguido ao lado do ostensório do altar-mor, solta-se inesperadamente uma luz. Alguém grita, Milagre! De imediato todos começaram a gritar e devido ao espanto e ao medo caíam por terra, desmaiavam, contorciam-se em convulsões, batiam no peito gritando a minha culpa. Entre a multidão enlouquecida, um marrano, murmurou, que era apenas um feixe de luz. De repente já ninguém se interessava pela cruz milagrosa. Logo se acendeu contra ele a indignação dos crentes, incitada talvez pelos autores do suposto milagre. O blasfemo foi empurrado para fora da Igreja e desfizeram-na antes de poder pôr o pé no adro. O seu corpo foi arrastado pelas ruas e depois queimado."
Entretanto, os marinheiros alemães, holandeses, franceses que estavam atracados no porto de Lisboa, juntaram-se à multidão em fúria. Seguiu-se um massacre. "Nesse Domingo, seiscentos marranos foram apanhados de surpresa nas suas cozinhas, nos pátios, nas hortas, na rua e até nas igrejas cristãs onde tinham procurado refúgio. Os homens foram degolados, as crianças esquartejadas, as mulheres violadas, foram saqueadas e incendiadas as casas, os animais, as hortas e os jardins".
No dia seguinte, dois dominicanos ,o frei português João Mocho e o frei aragonês Bernardo, alimentaram a fúria do povo marchando pelas ruas com o crucifixo milagroso na mão, e gritavam, “heresia, heresia!” incitando o povo a dar caça aos hereges. Rapidamente se alastrou o fanatismo e o desgoverno pela cidade. "
Os cristãos novos que desprevenidamente circulavam pelas ruas eram espancados e mortos, arrastados, às vezes ainda vivos, atirados às fogueiras prontamente construídas na Ribeira e no Rossio. A barbárie tomou as formas mais perversas, dando lugar à vingança, à calúnia, à luxúria e ao roubo. Alguns dos cristãos velhos foram perseguidos e, para se salvar, tiveram que mostrar que não eram circuncidados. Invadiram e saquearam as casas dos cristãos novos, maltratando homens, mulheres, velhos e crianças. Tomavam crianças dos peitos das mães e, segurando-as pelos pés, atiravam-nas contra paredes, esmagando seus crânios. Donzelas e mulheres casadas eram violadas e atiradas às fogueiras espalhadas pelas ruas inundadas por sangue. Com a chegada da noite veio também o cansaço dos carniceiros e a barafunda cessou, dando oportunidade para que os cristãos novos fugissem ou se escondessem, auxiliados por cristãos velhos verdadeiramente tementes a Deus". Nesse dia morreram cerca de dois mil cristãos novos. Na terça, 21 de Abril, como as vitimas escasseavam a multidão foi-se acalmando, deixando atrás de si, entre três e quatro mil lisboetas mortos.
Entretanto um mensageiro tinha ido ao encontro do Rei D. Manuel I, que devido à peste se encontrava, no seu palácio em Abrantes, para lhe dar conhecimento do massacre que estava em curso na cidade de Lisboa.
"O Rei Dom Manuel foi arrebatado por uma raiva incontrolável. Ficou horrorizado com a terrível matança, mas acima de tudo não admitia que os padres se arrogassem o direito de provocar massacres, e ordenando o castigo de quem provocara o “santo delírio”, enviou para Lisboa um pequeno exército chefiado pelo regedor Ayres da Silva e pelo governador Álvaro de Castro.

Os dois frades foram destituídos, estrangulados e queimados na fogueira. Foram executados mais 30 homens vistos a apunhalar, estuprar, desmembrar e queimar marranos. Os cidadãos em geral foram multados num quinto das suas propriedades e privados do direito de eleger os conselheiros comunais. Lisboa foi castigada com a proibição de exibir, durante seis meses, o altíssimo título de “cidade sempre leal”.

sábado, abril 15, 2006

A Modernidade Dos Pecados


Um leigo não pode ter a presunção de querer discutir religião a um nível demasiado elevado. O que se pode discutir são sentimentos. Uns sentem que não existe Deus, afirmação tão válida e respeitável como dizer o contrário. O problema é esta espécie de transe religiosa do qual não se consegue escapar por manifesto condicionamento, e que é continuamente alimentada por uma máquina de propaganda que exacerba os sentimentos religiosos, colocando-os no topo das preocupações existenciais sem a devida relativização. Neste sentido, mesmo nos tempos que correm, por vezes somos confrontados com algumas coisas que são absolutamente desarmantes. Por exemplo, descobrimos através da comunicação de um auto proclamado porta-voz da divindade, que algumas das principais actividades do mundo moderno podem ser consideradas pecados.
Uma pequena reflexão levanta uma questão pertinente. Quais os reais motivos que levam a considerar navegar na Internet, ver Televisão ou ler Jornais um pecado, mesmo se o tempo gasto nelas for superior ao que se “perde” a ler as sagradas escrituras? A resposta é obviamente simples, qualquer destas acções pode ter como consequência o despertar para as contradições entre o professado pelas religiões e a vida real. Enquanto que a formação hermética das sagradas escrituras impede a libertação do pensamento ao condicioná-lo nas suas opções e horizontes, qualquer destas práticas, no limite, tende a eliminar as barreiras da ignorância.
Ao que parece, estes pecados da era moderna não foram integrados por decreto papal em nenhuma lista oficial desta índole, o que seria supremamente irónico atendendo ao dogma da infalibilidade do Papa. Até porque afirmar que não é o acto em si, mas o tempo que se ocupa em cada uma das coisas que é importante, não é algo facilmente assimilável. Será que não é mais importante uma atitude correcta perante a vida do que ler as sagradas escrituras? Será que fazê-lo no lugar das outras coisas, confere ou retira dignidade moral enquanto ser humano? Se assim for, quem não dedicar tempo nenhum ás sagradas escrituras, ao fim de três segundos na Net, na TV ou a ler jornais, torna-se imediatamente um herege.
Em relação à televisão, ver alguns dos programas é realmente um pecado. Só que isto está apenas relacionado com o conteúdo e não com tempo que se passa em frente ao televisor. Mas mesmo assim, tais comportamentos têm de ser compreendidos. A vida, por vezes, é tão difícil que as pessoas precisam é de algo que as entretenha e não de ler um livro que ao longo das suas páginas, na sua análise ascética da natureza humana, lhes diz que tudo o que fazem é pecado. Na verdade, alguns dos programas são absolutamente inúteis e, portanto, o tempo poderia ser ocupado a ler jornais ou livros. Só que isto também é pecado. Se bem que em Portugal, atendendo aos números da literacia, o cumprimentos desta espécie de decreto já é seguida há muito tempo. Há sempre coisas em que nos conseguimos antecipar.
Como normalmente acontece, em face das críticas, inicia-se a vitimização. Acusam-se os que se pronunciaram contra esta espécie de censura de terem retirado do contexto as palavras proferidas e, na falta de argumentos, atacam quem se levanta contra as suas tentativas de condicionamento global. O mais comum é afirmar tudo não passa de uma alerta contra os comportamentos da sociedade e não como qualquer tipo de censura. Depois aparecem os seus arautos. Os defensores da moral religiosa e da sua prevalência sobre Homem, acusando quem não assume a sua fé (católica), de ser desequilibrado, e de não resistir ás tentações do mundo. Ou então a afirmar que se deveriam queimar todos os livros que questionam as palavras da Igreja Católica. Queimar livros, na essência, é queimar também quem os escreveu. Uma espécie de regresso ao período da inquisição, substituída pela inquisição ao pensamento, ao tentar obliterar qualquer forma de liberdade intelectual que não seja a sua.
Mas isto vai mudar. Se Deus quiser. Lá estou eu a pecar. A invocar o Santo nome de Deus em vão. (Ou não?)

Filipe Pinto.

quinta-feira, abril 13, 2006

Samuel Beckett


Considerado um dos maiores escritores e dramaturgos do século XX, o irlandês Samuel Beckett , faria hoje 100 anos se fosse vivo.
Samuel Beckett nasceu a 13 de Abril de 1906, na localidade de Foxrock, perto de Dublin, na Irlanda. Nascido no seio de uma abastada família protestante, não teve uma infância muito feliz e depressa se tornou num jovem infeliz. Inadaptado às regras de uma sociedade que considerava repulsiva, refugia-se na solidão, que faz transparecer em toda a sua obra.
Em 1923 ingressa no Trinity College, de Dublin para fazer a sua formação académica, onde em 1927, se licenciou em línguas modernas, francês e italiano, com uma excelente classificação.
Em 1928, Beckett mudou-se para Paris, onde conheceu James Joyce, e depressa se tornou um seguidor do escritor. Esta amizade será decisiva para a sua carreira literária. Aos 23 anos, escreveu um ensaio em defesa de "Ulisses", a obra-prima de James Joyce, que tinha sido proibida na sua Irlanda natal.
Depois de um estudo sobre Proust, Samuel Beckett, chegou à conclusão que o hábito e a rotina eram o “cancro do tempo”: o tempo, inexorável, ao qual estamos presos. Samuel Beckett, faz questão de nos lembrar, que a cada momento, o fim se aproxima, que a morte espreita, que o jogo irá acabar e nós irremediavelmente, perderemos. Se temos conhecimento disso, então por que continua-mos à espera?
Porquê? Porque devemos saber que enquanto se espera a vida continua e devemos vive-la da melhor forma possível, a cada segundo, compreendendo-a pequena e grandiosa ao mesmo tempo.
Por causa destas conclusões, abandonou o seu cargo no Trinity College e iniciou uma viagem pela Europa, visitando a França, Inglaterra e a Alemanha, onde viveu as mais diversas experiências que depois se traduziram em personagens.
Em 1938 fixou residência em Paris, onde dois acontecimentos o vão marcar para o resto da vida: é gravemente ferido ao ser agredido por um estranho, que lhe desferiu uma facada no peito, e conhece Suzanne Deschevaux-Dusmenoil, o amor da sua vida e com quem se casaria em 1961.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Beckett permaneceu em Paris, onde lutou pela Resistência, até que alguns membros o seu grupo foram presos e Beckett foi forçado a refugiar-se, com a sua mulher na zona conhecida como "França Livre", a parte da França que não tinha sido ocupada, pelas tropas nazistas.

Em 1945, regressou a Paris e iniciou o seu período mais prolífico enquanto escritor. No período cinco anos, entre 1948 e 1953, produziu a sua obra mais significativa. Escreveu "Eleutheria" (1948), "À espera de Godot" (1952), e a trilogia, universalmente aclamada como essencial à compreensão da experiência humana, “Molloy” (1951), “Malone está a Morrer” (1951) e “O Inominável” (1953).
O seu primeiro sucesso, chegou, em 1952 com "À Espera de Godot". Apesar das especulações, a pequena peça onde nada acontece, tornou-se num sucesso repentino e um marco no teatro do absurdo. As personagens desta peça, exemplificam a situação do homem encurralado num mundo de rotina: dois vagabundos, Vladimir e Estrabon, indecisos e inertes, esperam em vão a chegada de um personagem enigmático e misterioso, Godot, símbolo do inalcançável, que de um modo inexplicável, melhorará as suas vidas.
Depois do sucesso de "À Espera de Godot", Samuel Beckett dedica-se a traduzir os seus textos para inglês e volta a escrever nesta língua, construindo, um caso raro na Literatura moderna, uma obra bilingue.
As obras de Beckett traduzem com um grande poder de síntese, toda a condição humana. As questões que são necessárias esclarecer dessa condição são amplamente trabalhadas e poeticamente materializadas. Os personagens das suas obras, reflectem a posição do autor em relação à vida, à morte, aos desejos, aos fracassos e à impossibilidade da felicidade.
O reconhecimento crescente do seu trabalho culminaria com o Prémio Nobel da Literatura, em 1969. Depois disso e apesar de ser aclamado a nível mundial, continuou a escrever até à sua morte, que ocorreu em Paris, a 22 de Dezembro de 1989, vitima de enfisema, contra o qual lutou nos últimos três anos, da sua vida .

quarta-feira, abril 12, 2006

Yuri Gagarine


A Terra é azul!
Uma expressão banalíssima, no entanto, há precisamente 45 anos, era uma novidade planetária!
No dia 12 de Abril de 1961, Yuri Gagarine ficaria conhecido na História como o primeiro ser humano a viajar no espaço, a bordo do Vostok 1. Iria viver um sonho inspirado sessenta anos antes pelo cientista russo Constantin Tsiolkovsky, que no início do século XX já tinha arquitectado a base da astronáutica moderna.
Eram 7h07, no Cosmódromo de Baikonur no Casaquistão, quando a nave Vostok 1, descolou para o seu primeiro e único voo espacial. Pouco depois da descolagem, a 327 quilómetros de altura, Yuri Gagarine, por rádio, anunciava a todos os humanos a cor do nosso Planeta:
A Terra é azul!
Foi a exclamação do primeiro homem a ver o nosso planeta do espaço.
Foi um pequeno voo de 108 minutos, o suficiente para que Gagarine se tornasse, aos 27 anos num herói mundial.
Às 9.20 daquele 12 de Abril de 1961, Gagarine aterrou de pára-quedas, junto ao Volga, 700 kms a Sudeste de Moscovo, na aldeia de Saratov, uma camponesa e a sua filha não ganharam para o susto quando apareceu um ser vestido de cor-de-laranja e de escafandro.
-Vens do espaço?
Perguntou a anciã.
-Certamente sim, disse Gagarine, que se apressou a acrescentar, não se alarme, sou soviético.
Tratava-se do primeiro cosmonauta, acabadinho de chegar do espaço, onde esteve durante meia hora, tendo sido forçado a ejectar-se do Vostok 1, a uma altitude de sete mil metros.
Até ao desmoronar da União Soviética esta pequena história dentro da História foi ocultada. Seja pelo caricato da situação seja pelo facto de ter temido a desclassificação do feito por parte da Federação Internacional de Aeronáutica - um recorde só é validado quando tripulante e nave aterram juntos - o certo é que Moscovo ocultou os pormenores do regresso atribulado de Gagarine.
Quando o Vostok 1 estava a sobrevoar o continente africano tudo começou a correr mal. Na altura em que a aproximação ao planeta deveria começar, a cápsula não se soltou do módulo. Gagarine passou uns minutos agitados, para não dizer mais, até que a separação teve lugar, dez minutos depois do planeado. O jovem cosmonauta não teve tempo para retemperar forças: a sete mil metros de altitude a escotilha cede e vê-se obrigado a fazer o restante percurso de pára-quedas.

Quando chegou ao solo foi à procura de um telefone:
“-Está?
-É do Cosmódromo de Baikonur?
-Daqui fala Yuri Gagarine, na região de Saratov. É só para comunicar que já estou na Terra».
Podia ser o final de uma anedota, mas não é, foi através de um simples telefonema como este , hoje parece absolutamente incrível, que as autoridades soviéticas tomaram conhecimento do fim do primeiro voo espacial.
Durante a sua curta viagem, Yuri Alekseyevich Gagarine subiu dois postos na hierarquia militar, sendo promovido de tenente a major.
Yuri Alekseyevich Gagarine, nasceu no dia 9 de Março de 1934, em Klushino, mais tarde rebaptizada com o seu apelido, filho de um carpinteiro.
Quando tinha 7 anos, os alemães invadiram a União Soviética, o pai alistou-se no Exército Vermelho enquanto a sua mãe, ele, o irmão mais velho e a irmã se refugiavam num local mais seguro.
Já em plena Guerra Fria, ingressa numa escola, onde se forma em metalurgia, até ser chamado pela Força Aérea, em 1955.
Se é certo que o baptismo de fogo esteve longe de correr da melhor maneira, a partir daí Gagarine começou a evidenciar-se como um dos alunos mais valorosos. Graduou-se em 1957, pouco depois de Moscovo ter surpreendido o mundo com o lançamento do «Sputnik»,no dia 4 de Outubro de 1957, o primeiro satélite que o Homem colocou em órbita, tendo desencadeado a corrida espacial.
Em 3 Novembro, ainda longe de se imaginar no espaço, Gagarine casa-se com Valya, no dia em que a famosa cadela Laika foi colocada em órbita, a bordo do «Sputnik 2». Após a sua formação, foi colocado na Base Aérea de Murmansk, junto da fronteira com a Noruega, onde devido ao clima, voar era um risco sempre presente.
Dois anos depois, a Força Aérea pede voluntários, numa altura em que a União Soviética explora a Lua, com o envio das sondas «Lunik». Dos 3500 inscritos, foram escolhidos seis. Além de Gagarine, faziam parte dos eleitos Gherman Titov (que foi o primeiro cosmonauta a perfazer mais do que uma órbita, a bordo do Vostok 2), Valeri Bykovsky, Grigory Nelyubov, Adrian Nikolaev e Pavel Popovich.
O chefe do projecto espacial, Sergei Korolev, numa desconcertante atitude democrática, pediu certa vez aos seis futuros cosmonautas para elegerem quem devia fazer as honras do voo inaugural. «Tovarich» Gagarine recolheu três votos.
Dois dias depois, da mítica viagem, a 14 de Abril de 1961, a Praça Vermelha foi palco de uma recepção apoteótica ao “Magalhães do Espaço”, à qual não faltou sequer o líder da União Soviética, Nikita Krushtchev.
As aventuras espaciais do rapaz que ia ser metalúrgico não voltaram a repetir-se. Com a sua figura imortalizada em estátuas e selos, o nome na toponímia e o feito nas páginas de História, Gagarine regressou à sua condição de piloto da Força Aérea. Contudo, não aguentou o peso da fama tornando-se alcoólico.

Em 1962 foi eleito/nomeado deputado ao Soviete Supremo, tendo depois voltado para a “Cidade das Estrelas”, a base soviética de pesquisas e ensaios dos voos espaciais. Em 1967 foi escolhido para o lançamento do Soyuz, contudo este projecto foi abortado, após o acidente com o Soyuz que vitimou Vladimir Komarov.
E foi no «cockpit» de um caça MIG-15, em 27 Março de 1968, que o primeiro homem a orbitar a Terra morreu, durante um voo de rotina junto a Kirzhach. Há várias teorias sobre a causa da trágica morte de Gagarine, que vão desde o assassinato por parte do KGB, passando pela teoria que estava embriagado aos comandos do Mig 15, e finalmente, a teoria mais provável, da despressurização da cabine, que levou a tripulação, devido à falta de oxigénio, a perder o controle do avião e a despenhar-se.
Tinha 34 anos.

sábado, abril 08, 2006

Nós Que Olhámos Para o Nosso Umbigo


Uma das consequências da selecção natural, a famosa e mais que comprovada teoria de Darwin, foi o surgimento de um ser com capacidades intelectuais, que se foram aprimorando ao longo dos milénios, e que lhe atribuíram vantagens competitivas suficientemente importantes para poder ser a espécie dominante do planeta.
Este ser tornou-se tão tecnologicamente avançado que as suas actividades trouxeram graves desequilíbrios na dinâmica planetária tendo, segundo numerosos estudos, colocado alguns condicionamentos graves à qualidade de vida ambiental, factor de enorme importância se atentarmos por exemplo às consequências que as alterações climáticas poderão acarretar.
A evolução da vida na Terra ocorreu num intervalo de tempo de cerca de 4600 milhões de anos e, portanto, o tempo de existência do ser humano é quase irrelevante à escala do tempo universal. Os estragos provocados, todavia, não são proporcionais mas claramente exponenciais. Existe uma famosa comparação que estabelece uma regra para permite uma melhor compreensão. Se fizermos corresponder a uma dia os 4600 milhões de ano, o período de existência dos seres humanos é o último segundo.
As condições naturais oferecidas pelo Planeta são suficientes para garantir a vida à totalidade dos seres vivos, se não existisse a espécie humana, uma vez que durante muitos milhões de anos, como se sabe, coexistiram muitas espécies de seres altamente complexos.
Perante esta descrição pode pensar-se que são apenas as condições naturais que tornam alguns lugares do mundo complicados para se nascer quando se avaliam as condições de vida que se oferecem aos seres humanos. Todavia, o observa é uma gritante diferença entre os países ricos e os países pobres, e as imagens da fome que são recorrentemente utilizadas nos meios de comunicação social, são bem elucidativas.
Sempre que se vê uma reportagem sobre África, por exemplo, é incontornável a utilização deste instrumento de choque para impressionar as pessoas. O resultado é invariavelmente o mesmo. Durante cerca de cinco minutos ficamos imbuídos num espírito de solidariedade e desejámos fazer alguma coisa mas, logo a seguir, alguém nos chama para jantar, onde se inicia o desperdício, à primeira garfada tudo se esquece (há mais comida em alguns caixotes do lixo na Europa do que em alguns locais com milhares de pessoas por esse mundo dos miseráveis). Olhámos, um esgar de choque, uma possível lágrima no olho, muda a notícia e o nosso cérebro, como que treinado para o efeito, envia para a sua reciclagem aquele ficheiro.
As mortes sucedem-se em catadupa. As valas comuns são aos milhares, de gente que também merecia uma lápide, para pelo menos alguém chorar a sua morte, sentir a sua falta, amar ou ser amado, por mais pequeno que seja o tempo que cá se esteve. Só que, nesses locais, as mortes são tantas que já nem sentem. O pensamento dominante não andará longe deste – é apenas mais um, amanhã, certamente será outro – e quem pensa é porque sobreviveu mais um dia. As causas para o sofrimento são tantas que é impossível atribuir a importância devida à morte de uma pessoa. Tudo é relativizado em função da sobrevivência.
Em contraste com os milhares que morrem de fome, alguns daqueles das imagens, com apenas pele e osso na verdadeira acepção das palavras, coexiste a tão propalada geração de obesos do mundo ocidental. Esta condição não é apenas resultado dos maus hábitos alimentares e sedentarismos, é da abundância e, em certa medida, do pecado da gula tão bem explorado pela publicidade. Enquanto estes são sedentários por opção e, pelos motivos já mencionados, tornam-se obesos, os outros são sedentários por obrigação uma vez que nem se conseguem suster de pé, de tão grande que é a sua debilidade física.
Tudo isto é, talvez, o resultado de uma estupidificação generalizada de quem se habituou de tal forma a um determinado nível de vida, do qual não consegue prescindir. Por exemplo, se em todo o planeta o nível de vida fosse igual ao inglês, seriam necessários os recursos de três planetas iguais aos nossos para o manter.
É como se a Terra e a humanidade fossem a presa e um grupo de leões. As leoas caçam e o primeiro a servir-se é o leão que, normalmente, quando saciado, deixa comer os outros. Só que estes leões comem sempre para lá da saciedade, as suas vidas gravitam em torno de uma necessidade compulsiva. Acumular bens. Este comportamento dificilmente será alterado.
Além disso, a incapacidade até ao momento demonstrada para a aplicação de uma simples operação aritmética como a divisão de quem tem em excesso com quem não tem nenhum, nem sequer é de quem tem apenas para si mas de quem tem em excesso, não se vislumbra qualquer vontade de redenção. Os mortos vão continuar sem lápides.

Filipe Pinto.

sexta-feira, abril 07, 2006

Joaquim Agostinho


Joaquim Francisco Agostinho nasceu em 7 de Abril de 1943, em Brejenjas, freguesia de Silveira concelho de Torres Vedras. Era o quarto filho de uma família modesta de camponeses. Aos 18 anos foi chamado a combater na Guerra Colonial, em Moçambique, onde participou numa corrida de bicicletas em Vila Cabral que ganhou, no entanto, ele gostava era de jogar futebol. Uma vinda a Portugal para matar saudades da mulher, Ana Maria alteraria definitivamente a sua vida. Com a recordação da vitória em Vila Cabral viva na sua mente, Joaquim Agostinho pediu emprestado ao seu vizinho, João Roque, um equipamento para se treinar. João Roque, que tinha ganho a Volta a Portugal em 1963, acompanhou-o e ficou espantado com as qualidades de Joaquim Agostinho, sem perder tempo, levou-o a treinar ao Sporting. Estávamos em Fevereiro de 1968 e Joaquim Agostinho tinha 25 anos. Em Abril do mesmo ano entrou no Campeonato Regional de Fundo para Amadores. Venceu a primeira prova, classificou-se em 3º lugar na segunda e venceu a 3ª prova, conquistando o título de Campeão Regional.Em Agosto de 1968, participou pela primeira vez na Volta a Portugal. Embora não tenha vencido nenhuma etapa, os tempos realizados por este ciclista valeram-lhe o segundo lugar e a vitória por equipas. Após esta prova foi seleccionado para o Campeonato Mundial de Estrada, em Imola. Conseguiu a melhor classificação portuguesa de sempre, ao ficar em 16º lugar, e foi o único português a concluir a prova.Joaquim Agostinho venceu por cinco anos consecutivos (de 1969 a 1974) o Campeonato Nacional de Fundo Individual. Venceu a Volta a Portugal em três anos consecutivos (entre 1970 e 1972). Participou por 13 vezes na Volta à França e nos anos de 1978 e 1979 conseguiu a melhor posição de sempre, classificando-se em terceiro lugar. Em 1972, participou na Volta à Suíça e obteve o quinto lugar.Em 1971, Joaquim Agostinho correu pelo Sporting e pela “Hoover” de Gribaldy.O ciclista deixou o Sporting em 1972 e foi para França, para correr com a camisola da “Frimatic”. No ano de 1973 correu pela “Bic”, para regressar ao Sporting em 1975. Em 1978 ingressou na “Velda-Lano-Flandria”.
Em 1979, 10 anos após a sua estreia no Tour, Joaquim Agostinho, alcançaria o maior feito da sua carreira, ao vencer a mítica etapa de L’Alpe-Duez, foi no dia 15 de Julho. Joaquim Agostinho tornou-se um dos nomes históricos da Volta a França. Em homenagem à grande vitória de Joaquim Agostinho na mítica etapa a organização deu o nome de Agostinho à 17ª curva da subida do L’Alpe-Duez.
Correu ainda mais dois anos em França. Em 1980, dado como acabado para o ciclismo, alcança o quinto lugar, ao serviço da “Puch-Campagnolo”, posição que o deixou frustado. No ano seguinte correndo pelas cores da “Sem-France Loire”, desiste pela primeira e única vez, no Tour. A passar por dificuldades financeiras volta ao Tour pela última vez em 1983. Com 40 anos fez o feito, de terminar na 11ª posição.
Em 1984 decidiu regressar de vez a Portugal e acabar a carreira no seu Sporting. No dia 30 de Abril disputava-se a 5ª etapa da X Volta ao Algarve, quando Joaquim Agostinho sofreu uma fractura craniana, num acidente provocado por um cão que se atravessou no seu caminho. Com a camisola amarela vestida, voltou a montar a bicicleta e cortou a meta com a ajuda de dois colegas do Sporting. Pediu que o levassem à pensão para descansar. As dores de cabeça aumentaram e foi levado para o hospital de Loulé. A situação agrava-se drasticamente e é evacuado para o hospital da CUF, em Lisboa. Não é transportado por via aérea e acaba por fazer uma longa viagem de ambulância, chegando à capital em coma. Foi operado 10 horas depois do acidente e nos 10 dias seguintes, sempre em coma, luta contra a morte, que acaba por derrotá-lo a 10 de Maio de 1984.

Palmarés:

1968- 1º Na Volta ao Estado de São Paulo, 1 etapa, Campeão Nacional, 1º no contra-relógio do Campeonato Nacional, 2º no GP do Porto, 1 etapa, 1º no Circuito de Loures, 2º no Campeonato Nacional de Montanha, 2º na Volta a Portugal, 2º no GP do Sul, 16º no Mundial de Estrada.

1969- Campeão Nacional, 1º no contra-relógio do Campeonato Nacional, 1º no Campeonato Nacional de c/relógio por equipas, 1º do Trophée Baracchi (com H. Van Springel), 1º no GP Riopelle, 1 etapa, 1º no GP Robbialac, 2 etapas, 8º no Tour de France, 2 etapas, 7º na Volta a Portugal, 1 etapa, 1 etapa na Volta ao Luxemburgo, 5º no GP des Nations, 6º no GP Famel, 15º no Mundial de Estrada, 18º do Super Prestige Pernod.

1970- Campeão Nacional, 1º no contra-relógio do Campeonato Nacional, 1º Na Volta a Portugal, 4 etapas, 1 etapa na Semana Catalã, 3º Na Escalada de Montjuich, 14º no Tour de France.

1971- Campeão Nacional, 1º No contra-relógio do Campeonato Nacional, Campeão Nacional de Perseguição Individual, 1º na Volta a Portugal, 8 etapas, 1º no GP de Sintra, 2 etapas, 3º na Clássica Porto-Lisboa, 3º na corrida A Travers la Lausanne, 5º no Tour de France, 17º no Dauphiné Libere.

1972- Campeão Nacional, 1º No contra-relógio do Campeonato Nacional, 1º na Volta a Portugal, 6 etapas, 1º no GP de Sintra, 1 etapa, 2 etapas no GP de Torres Vedras, 1º no Prémio de Lisboa, 5º na Volta à Suíça, 2 etapas, 8º no Tour de France, 17º no Liège-Bastogne-Liège.

1973- Campeão Nacional, 1º No contra-relógio do Campeonato Nacional, 7 etapas na Volta a Portugal, 8º no Tour de France, 1 etapa, 1º no Prémio do Estoril, 1 etapa, 5º no Midi Libre, 6º na Vuelta a España, 13º no Dauphiné Liberé, 15º no Paris-Nice, 20º no Mundial de Estrada.

1974- 2º da Vuelta a España, 2 etapas, 1º no Prix de Serenac, 1º no Prix de Montastruc, 1º na Côte d’Allevard, 3º na Semana Catalã, 6º no Tour de France ,8º no Midi Libre, 10º do Super Prestige Pernod.

1975- 1º No GP Clock, 3 etapas, 1º no Circuito de Tavira, 1º no Prémio de São João das Lampas, 3º no Tour de l’Aude, 12º Na Vuelta ao País Basco, 15º no Tour de France, 15º No Paris-Nice, 19º no Dauphiné Libere.

1976- 7º na Vuelta a España, 1 etapa, 3º na Vuelta ao País Basco, 3º Na Vuelta a Levante, 6º na Semana Catalã.

1977- 2 Etapas Na Vuelta a Los Vales Mineros, 13º no Tour de France, 1 etapa, 4º no Dauphiné Liberé, 4º na Semana Catalã, 5º na Ronde de Seignelay, 5º no Prix de Carhaix, 6º na Vuelta a Levante, 15º na Vuelta a España.

1978- 1º no Prix de Monteron, 1º no Prix de Vailly, 3º no Tour de France, 2º no Prix d’Auzances, 3º na Volta à Córsega, 3º no Prix d’Oradour-sur-Glane, 4º no Prix de Roanne, 21º na Volta à Suíça, 23º no Dauphiné-Liberé.

1979- 3º no Tour de France, 1 etapa (Alpe d’Huez),1 etapa no Midi Libre , 1º no Prix de Jugon ,1º no Prix de Prayssac , 6º no Dauphiné Liberé.

1980- 1º no Prix de Lamballe, 1º no Prix d’Obernai, 1º na Ronde de Garancières-en-Beauce, 5º no Tour de France, 3º no Midi Libre, 3º no Bordeaux-Paris, 3º no Dauphiné Libere, 3º nos Quatro dias de Dunquerque, 3º na Volta à Córsega, 3º no Prix Bain-de-Bretagne, 5º no Tour de France, 19º no Critérium International, 7º do Super Prestige Pernod.

1981- 3º No Dauphiné Libere, 5º no Tour da Romandia.19831º no Prix du Castillon-la-Bataille, 2º no Bol d’Or des Monédières, 4º na Escalada Grabs-Voralp, 11º no Tour de France, 14º no Tour da Romandia, 24º na Volta à Suíça.

1984- 1 Etapa na Volta ao Algarve.

Total de Vitórias: 96

Maiores destaques:Volta a Portugal:1968 - 2º, 1969 – 7º, 1970 – 1º, 1971 – 1º, 1972 – 1º.Tour de France:1969 - 8º, 1970 – 14º, 1971 – 5º, 1972 – 8º, 1973 – 8º, 1974 – 6º, 1975 – 15º, 1977 – 3º, 1978 – 3º, 1979 – 3º, 1980 – 5º, 1983 – 11º.Vuelta a España:1973 - 6º, 1974 – 2º, 1976 – 7º, 1977 – 15º.Campeão Nacional 6 vezes consecutivas (1968 a 1973).

Vencedor das etapas míticas de:Alpe d’Huez (Tour) – 1979, Cangas de Oniz (Vuelta) – 1974, Torre – 1971, 1973, Penhas da Saúde – 1970, 1971, Solothurn Balmberg (V. Suíça) – 1972.

1º Nas Subidas de:Puerto del Léon (Vuelta) – 1972, Côte de Laffrey (Tour) – 1971, First plan (Tour) – 1969, Grammont (Tour) – 1971, Manse (Tour) – 1972, Lautaret (Tour) – 1972, Hundruck (Tour) – 1972, Oderen (Tour) – 1972, Lalouvesc (Tour) – 1977, Croix de Chabouret (Tour) – 1977.

Ciclista do Ano do CycloLusitano:1968, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1978, 1979, 1980.

quarta-feira, abril 05, 2006

Allen Ginsberg


As manifestações culturais surgidas nos Estados Unidos e na Europa na década de 1960, feitas por jovens da classe média na sua maioria, que tiveram contacto com teorias de cientistas sociais e estudiosos do comportamento humano nas universidades, expandiram-se graças à imprensa. A imprensa norte-americana criou o termo Contracultura, para designar este conjunto de manifestações de carácter intelectual e estético que se opunha ou se diferenciava das instituições e dos valores dominantes na sociedade. Surgida nos anos 50, a Geração Beat - “Beat Generation”- foi o primeiro movimento de contracultura com forte importância histórica e cultural a acontecer nos EUA. Os seus membros eram conhecidos como beatniks (rótulo que Jack Kerouac reivindica como seu): uma corrupção do nome do satélite russo Sputnik com o termo inglês beat, de vários significados, entre eles o ritmo e o aspecto depressivo, que torna essa uma geração maldita.
Os beatniks eram jovens que se conheceram dentro e fora da universidade, interessados em escritos não ortodoxos como Rimbaud, Willian Blake, Melville, Withman, Kafka, Nietzsche, alguns dos quais vieram depois a ser adoptados nas universidades, sendo inclusive os professores acusados de transmitirem valores subversivos aos estudantes. Inquietos, marginais, pretendiam mostrar o seu desgosto com o status quo do consumismo e da tecnocracia, contrapondo propostas alternativas de vida. Não queriam mudar o mundo, nem fazer a revolução, mas lutar pelo direito de ser diferente. Não tinham soluções para os males do mundo. Nem para os próprios. Apesar das principais contribuições desta geração terem se dado na literatura, não é difícil identificar traços seus noutras formas de arte.
A Beat Generation na literatura compreendia um número pequeno de escritores, dos quais Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs são os mais conhecidos. Os três conheceram-se na Universidade Columbia, em Nova Iorque, no meio da década de 40, e tornaram-se grandes amigos, cada um encorajando o outro a escrever, até que as editoras começaram a levar o seu trabalho a sério no fim dos anos 50.
Allen Ginsberg é considerado o principal poeta da “Beat Generation”. Nascido a 3 de Junho de 1926, em New Jersey, Allen Ginsberg foi uma criança complicada e tímida, dominada pelos estranhos e assustadores episódios de sua mãe, uma mulher completamente paranóica, que acreditava que o mundo conspirava contra ela. Ao mesmo tempo, Allen teve que lutar para compreender o que estava acontecendo dentro dele, já que era consumido pela luxúria de outros meninos de sua idade. Na escola secundária, descobriu a poesia, mas logo ao ingressar na Universidade de Columbia, fez amizade com um grupo de jovens delinquentes, pensadores de almas selvagens, obcecados igualmente por drogas, sexo e literatura. Ao mesmo tempo em que ajudava os amigos a desenvolverem os seus talentos literários, Allen perdia de vez a sua ingenuidade, experimentando drogas e frequentando bares gays em Greenwich Village. Assumindo um estilo de vida bizarro, como se procurasse em si mesmo a face da loucura de sua mãe, Ginsberg acabou por se submeter a tratamento psiquiátrico. Aos 29 anos, já tinha escrito muita poesia, mas quase nada publicado. Allen Ginsberg ganhou popularidade a partir de 1956, com o seu poema/livro “Uivo”.


"(…)Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa “hipsters” com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contrato celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite, que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tectos das cidades contemplando jazz, que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cómodos, que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake entre os estudiosos da guerra, que foram expulsos das universidades por serem loucos e publicarem odes obscenas nas janelas do crânio, que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede, que foram detidos em suas barbas púbicas voltando por Laredo, com um cinturão de marijuana para Nova York, que comeram fogo em hotéis mal-pintados ou beberam terebintina em Paradise Alley, morreram ou flagelaram seus torsos noite após noite com sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, álcool, caralhos e intermináveis orgias, (...) " .

Lançado no Outono de 1956, o longo "Uivo" foi apreendido pela polícia de San Francisco, sob a acusação de se tratar de uma obra obscena. Depois de um tumultuoso julgamento, semelhante ao que foi submetida a novela de William Burroughs, Naked Lunch, o Supremo Tribunal autorizou a publicação e vendeu milhões de exemplares. Por esse período, Ginsberg viaja pelo mundo, descobre o budismo e apaixona-se por Peter Orlovsky, que seria seu companheiro durante 30 anos, embora a sua relação não fosse monógama. No início dos anos 60, enquanto já era famoso, lança-se na cultura hippie, ajudando Thimoty Leary a divulgar o psicadélico LSD e participa num grande número de eventos, como o Human Be-In, em 1967, em San Francisco, onde é um dos que conduzem a multidão cantando o mantra OM. Ginsberg é também figura-chave nos protestos contra a guerra do Vietname na Convenção do Partido Democrático de Chicago, em 1968. Após conhecer o guru tibetano Rinpoche, Ginsberg aceita-o como seu guru pessoal. Depois, juntamente com a poeta Anne Waldman, cria uma escola de poesia. Sempre participando de eventos multiculturais, Ginsberg manteve a sua agenda social activa até a sua morte, em 5 de Abril de 1997, em Nova Iorque. As suas últimas palavras, foram “pensei que iria ter medo mas estou animado”.

terça-feira, abril 04, 2006

Martin Luther King


Martin Luther King nasceu em Atlanta, Georgia, em 15 de Janeiro de 1929 numa família de negros americanos de classe média. Filho de um pastor Baptista e de uma professora.
Aos 19 anos Luther King foi ordenado pastor Baptista. Mais tarde, formou-se no Seminário Teológico de Crozer e fez pós-graduação na Universidade de Boston.
Os seus estudos levaram-no a explorar as ideias Gandhi, que se tornaram o centro de sua filosofia de protesto não violento. Enquanto esteve em Boston casou-se e, em 1954, tornou-se pastor da igreja Baptista de Montgomery, Alabama. Como presidente da Associação de Melhoramento de Montgomery, organizou um boicote contra a segregação no transporte público. Durante este boicote, que durou um ano, Luther King, sofreu vários atentados e foi preso por diversas ocasiões. Apesar disso, o boicote obteve sucesso e terminou com um mandato do Supremo Tribunal dos EUA, proibindo toda e qualquer segregação no transporte público da cidade. Obtendo o respeito de todos, Martin Luther King tornou-se o líder dos negros americanos na sua luta por seus direitos civis.
Em 1963 liderou um movimento massivo pelos direitos civis no Alabama, organizando campanhas por eleitores negros, desagregação, melhores condições de habitação e educação por todo o sul. A não-violência tornou-se sua maneira de demonstrar resistência. Foi novamente preso diversas vezes. Neste mesmo ano liderou a histórica marcha de 200 mil pessoas sobre Washington onde proferiu seu famoso discurso “I have a dream”(“Eu tenho um sonho”). Foi como firme defensor da não violência que, em 1964, recebeu o Prémio Nobel da Paz.
Ardente e emotivo orador, King transformou-se no símbolo e na principal figura da campanha de integração e de igualdade de direitos do final da década de cinquenta e princípio da de sessenta. Em meados dos anos 60, a sua atitude moderada mereceu-lhe a critica de muitos activistas negros.
Em 1967 Luther King uniu-se ao Movimento pela Paz no Vietname, o que causou um impacto negativo entre os negros. Outros líderes negros não concordaram com esta mudança de prioridades dos direitos civis para o movimento pela paz.
Em 4 de Abril de 1968 Martin Luther King foi baleado por James Earl Ray, que foi condenado a 99 anos de prisão, mas poucas são as provas a indiciar que tenha sido ele o verdadeiro autor do crime. Várias teorias têm sido sugeridas, envolvendo conspirações do FBI, da CIA e da Máfia.
Em 1983, a terceira segunda-feira do mês de Janeiro foi decretada feriado nacional em homenagem ao aniversário de Martin Luther King.

segunda-feira, abril 03, 2006

Wangari Maathai


Wangari Muta Maathai nasceu a 1 de Abril de 1940 em Nyeri, no Quénia. Licenciou-se em Biologia no Kansas, um feito raro para as raparigas oriundas das áreas rurais do Quénia. De regresso ao seu país trabalhou em investigação na medicina veterinária na Universidade de Nairobi. Apesar de todo o cepticismo e oposição alcançou a direcção da faculdade de veterinária. Em 1970, o seu marido concorreu ao Parlamento e Maathai envolveu-se num projecto de apoio aos pobres, tornando-se mais tarde numa organização de apoio ao ambiente. Este projecto tornou-se num significante avanço contra a desflorestação no Quénia.
Em 1989, fundou o Movimento Cinto Verde, com o qual mobilizou mulheres pobres a plantar 30 milhões de árvores. Esta campanha, viria a ser copiada por outros países, , tais como a Tanzânia, Uganda, Malawi, Lesoto, Etiópia, Zimbabwe, etc. O objectivo de Wangari era produzir, de forma sustentável, madeira para combustível e combater a erosão do solo. Em entrevista à BBC, a queniana disse que a campanha não contou com apoio popular quando foi lançada. “Levei muitos dias e noites para convencer as pessoas de que as mulheres poderiam melhorar o meio ambiente, mesmo sem muita tecnologia ou recursos financeiros”, disse.

O Movimento do Cinto Verde lutou (luta) também pela educação, contra a fome e outros assuntos importantes para as mulheres e para a sociedade no geral. No final da década de 80, tornou-se uma opositora famosa da construção de um arranha-céus planeado para ser erguido no meio do principal parque da capital do Quénia. Wangari tornou-se uma vilã para o governo queniano da época, mas a campanha foi bem-sucedida e o projecto, abandonado.
Em 1991, foi presa tendo sido libertada com a ajuda da Amnistia Internacional. Posteriormente foi novamente presa por diversas vezes pelo governo do presidente queniano Daniel Moi. Em 1997, concorreu às presidenciais do Quénia, apesar do seu partido ter retirado a sua candidatura alguns dias antes das eleições, sem o seu conhecimento. Em Dezembro de 2002, Mwai Kibaki, o principal candidato da oposição, ganhou as presidenciais no Quénia, pondo fim a 24 anos de liderança do presidente Daniel Arap Moi, permitindo a entrada de Maathai no Parlamento.
Em Dezembro de 2003, Kibaki nomeou-a assistente do ministro do Ambiente. Maathai permaneceu corajosamente contra o antigo regime opressivo no Quénia e serviu de inspiração a muitas pessoas na luta pelos direitos democráticos.
Em 2004 o Comité Nobel da Noruega decidiu atribuir o Prémio Nobel da Paz a Wangari Maathai pelo seu contributo para o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz. “A paz na terra depende da nossa habilidade em defender o nosso ambiente vivo. Maathai ergue-se na frente da luta para promover o desenvolvimento social, económico e cultural ecologicamente viáveis no Quénia e na África. Ela fez uma abordagem ao desenvolvimento sustentável que abraça a democracia, os direitos do homem e os direitos da mulher em particular. Pensa globalmente e age localmente”, lê-se na decisão do Comité Nobel da Noruega.
Maathai causou controvérsia na comunicação social internacional, quando numa conferência de imprensa, após o anúncio da conquista do Prémio Nobel da Paz, disse que o " vírus HIV era um produto criado pelo homem através de bio-engenharia, e foi introduzido em África por cientistas ocidentais não-identificados como uma arma de destruição em massa para “punir os negros”. Desde então tem fugido a tomar uma posição definitiva, alegando que “Eu não sei qual é a origem do vírus da SIDA, mas espero que um dia saibamos, porque isso é algo que obviamente todos queremos saber, de onde vem a doença”.
Wangari Maathai foi a primeira mulher africana a ser laureada com um Prémio Nobel.

domingo, abril 02, 2006

O Estado das Coisas


Nos últimos dias comecei a dar mais atenção a um fenómeno que se tem vindo a gravar. O avolumar de carros á venda junto de minha casa, a dois passos da nacional 109 que divide a cidade de Aveiro. Dia após dia, lá aparece mais um carro, carrinha, de diferentes marca e estilos, sejam eles Renaults, Volskwagens ou outra marca qualquer. Em comum, a folha de Papel A4 com o respectivo número de telefone dizendo: Procuro Novo Dono, Trata-se ou Vende-se.
Apesar do momento de crise que assola o nosso País (aumento das taxas de juro, aumento de desemprego, aumento das despesas com as necessidades básicas…) subsiste sempre uma dúvida relativamente aos reais motivos que levam os em colocar à venda os seus veículos.
A mim parece-me que a explicação da crise não é suficiente para explicar as coisas e que o problema também está nas pessoas. Assim, e para melhor exemplificar aqui vai uma estória que penso ser elucidativa. Numa das empresas onde trabalhei como Responsável Logístico, e durante um período de acréscimo de actividade, tivemos a necessidade de recrutar um operador cujas tarefas consistiam em manusear um empilhador e abastecer a fábrica de material de embalagem (cartões e esferovites).
Para o efeito procedemos a um recrutamento interno, tendo sido escolhido um jovem funcionário de 20 anos. O responsável de turno encarregue pelo material de embalagem, procedeu nos dias seguintes à formação do jovem. O feedback sobre a sua performance era positivo.
No entanto, passado uns dias e para grande surpresa minha, quando o responsável de turno dirige-se a mim pensativo e preocupado.
“O novo rapaz não sabe fazer contas!”
“Não sabe fazer contas? Ora, está a brincar comigo?” disse-lhe ironicamente.
”Não, a sério, ele para fazer contas está sempre a usar o telemóvel para somar e subtrair, perdendo uma quantidade de tempo enorme. Assim ele não serve.”
Era absolutamente necessário saber fazer contas, ainda que básicas.
Chamei o funcionário e disse-lhe meio a brincar meio a sério: “Ouve lá, é verdade que não sabes somar nem subtrair?”
Responde-me ele “Hein…eu.. Sei…Usando o telemóvel faço as contas.”
Exclamei, admirado com tamanha ignorância. “Usando o telemóvel?!! Mas tens 20 anos? E de acordo com os dados que tenho possuis o 9º ano completo. Não te ensinaram matemática na escola?
“Ah, na escola deixavam usar a calculadora, portanto não precisava de fazer contas.”
Estupefacto, insisti:
“Senta-te aqui ao meu lado, pega nesta caneta e papel, e faz-me a seguinte conta”
Escrevinhei no papel, como me foi ensinado na primária, uma conta simples de fazer (pensava eu).
“Tenho 100 cartões, recebo mais 25 e tiro 10, quantos ficam? “ (Para quem não sabe, ficam 115 cartões). Ele também não soube.
Perante esta situação, não tive outra solução do que devolvê-lo á secção final das linhas de produção e cujo trabalho consistia, no aparafusamento de componentes metálicos de forma repetida e continuada durante as 8 horas laborais. Este trabalho monótono e repetitivo, não carece, de facto, de saber fazer cálculos.
Dias depois, ao chegar ao parque de estacionamento, qual não é minha surpresa, quando vejo este jovem funcionário chegar num carro novo, significativamente melhor do que o meu. Estava eu a matutar sobre como era possível um funcionário que ganhava o salário mínimo andar com um carro daqueles quando encontrei outro colega.
Disparo “Diz-me lá, como é possível fulano tal, ter um carro novo, ele que ganha o salário mínimo e que nem sequer contas de somar/subtrair sabe fazer? “
“Pois, já sabes. Ele não sabe fazer contas, pois não? È por isso que já é 3ª vez que o banco lhe vai buscar um carro á casa por ele não pagar as prestações.”
De facto não era primeira vez que isso lhe sucedia.
A Banca tem atribuído nos anos recentes empréstimos a qualquer pessoa sem averiguar a capacidade dessas pessoas em suportar os empréstimos concedidos. Chegamos pois á situação actual em que a maior parte das pessoas em Portugal têm a corda na garganta no respeitante ao crédito, não conseguindo equilibrar o frágil orçamento familiar.
Resultado: O Português está super endividado, por culpa própria (muitas pessoas têm mais olhos do que barriga quando chega a altura de comprar bens) e do alheio (A concessão de todos as facilidades na hora de conceder créditos/empréstimos por partes das entidades bancárias e outras (Vejam a proliferação de créditos fáceis: Ex: Cofidis)). Esta mistura explosiva tem portanto as consequências já referidas: Impossibilidade de equilibrar o orçamento familiar, pendendo de forma claro e preocupante para um abismo negro para as contas do dia à dia.
Depois é o que se vê:
Os principais bancos Portugueses apresentam lucros recordes na ordem dos milhões de euros (Ex: BCP: 753,5 milhões de euros referentes ao ano de 2005).
A taxa de desemprego não cessa de aumentar contribuindo desse modo para o empobrecimento do cidadão Português. (De acordo com dados publicados pelo INE, no 4º trimestre de 2005, o desemprego oficial atingiu 447.300, mas o corrigido, que inclui os desempregados efectivos que não são considerados nos números oficiais de desemprego, alcançou 579.400.
Em 2005, a taxa oficial de desemprego era de 8%, mas a taxa corrigida de desemprego era já de 10,4%.

Para finalizar a história e porque o problema é mais abrangente do que o que se pensa, uma semana depois do ocorrido, surge uma notícia no telejornal da SIC. Estudantes Universitários não sabem efectuar contas. Em comum o facto de vários estudantes universitários das áreas de Humanística e também das área de Ciências, Matemáticas e Engenharias (estes dois últimos com maiores responsabilidades) não conseguirem efectuar simples contas, tivemos então o seguinte diálogo:
- “No outro dia estava a gozar com o rapaz pelo facto dele não saber fazer contas, mas olha que os seus colegas da Universidade também são iguais…”
Respondi-lhe sorrindo: “Pois é Mário, pois é…”
Enfiei a viola no saco e lá fiquei a pensar no caricato da situação.”
Hoje de manhã, mais dois carros estavam á venda.
A vida está difícil mesmo para quem sabe fazer contas.

Eduardo Luz.
O Eduardo Luz escreverá semanalmente, na Fábrica.
Bem-vindo Luz.