A condição portuguesa deve-se, também, a um grosseiro cálculo geográfico. Na realidade não existem cinco continentes mais sim seis, sendo Portugal um deles, senão vejamos: estamos rodeados de mar por dois lados e de civilização e desenvolvimento pelos outros. Somos pois um conclave, uma marquise samaritana. Nas marquises lava-se roupa, assa-se um frango, guarda-se o lixo até ser hora de o colocar na rua e outras coisas que tais. Difícil é imaginar alguém a elaborar uma tese de doutoramento ou a reescrever o código penal nesse compartimento ao som do Pequenito Saúl. Uma marquise.
Deus teve sempre, de facto, uma relação estranhíssima com Portugal. Há até defensores, à esquerda e à direita, da teoria que existe um céu e um inferno só para portugueses. Ao que parece, tanto o inferno como o céu para portugueses são anexos aos respectivos edifícios principais, pois quando as casas-mãe foram criadas, Deus nunca pensou que Portugal vingasse. Vingou (ainda que mal), e foram por isso feitos estes dois aumentos.
A teoria da direita portuguesa é que o céu é uma grande torre (tipo as das Amoreiras), sendo que os moradores dos últimos andares já usufruem de benefícios fiscais. São Pedro está à porta vestido pela Prada e dá ordens por telemóvel para os ascensoristas do edifício. No interior há champanhe, posters gigantes de Cascais, livros assinados pelo António Sala e ligações em directo para a TVI. Isto tudo com consumo mínimo, é claro.
O céu português segundo a visão dos esquerdistas é um pouco diferente. São Pedro continua a estar à porta mas em vez de ter uma chave na mão, ostenta uma foice e bebe vinho americano. O edifício celeste é agora um bunker profundo onde se ouve constantemente Trio Odemira e frases como: “Força camarada”, “Venceremos” e “Onde estão as azeitonas?”.
Também em relação ao inferno as opiniões de ambas as facções são diferentes. Para a direita, o inferno situa-se na Quinta da Atalaia e tem à porta a inscrição “Querida Sanzala”. Os trabalhos forçados são constantes e duros: comer com os cotovelos em cima da mesa (para aqueles que cometeram pecados leves) e conduzir carros com menos de 3000 de cilindrada (para os mais mal comportados). Em casos de maldade extrema os prevaricadores (ex-prevaricadores porque já estão mortos) são sujeitos a duas sessões diárias de filmes do Lauro António.
Tudo é diferente no céu da esquerda. Há raves e muita loucura. Às sextas Judas Iscariotes é o DJ de serviço, sendo que passa maioritariamente Marilyn Manson e discursos de Fidel Castro. “Highway to Hell” é o tema de abertura todas as noites, seguindo-se vários bacanais ao som, ou não, de Jimi Hendrix. Salazar é o mestre-de-cerimónias ao sábado, passando somente músicas de Frei Hermano da Câmara (aquele a quem o Sr. Dr. apelida de “Jim Morrisson gregoriano”.
Por falar nisso, Jim Morrisson esteve com concerto marcado por duas vezes mas o coma alcoólico falou mais alto e em vez disso passaram em reverse cassetes do Marco Paulo, que segundo os especialistas, contêm poderosas mensagens satânicas. Satanás é que (e agora espantem-se) não está no inferno. Ao que parece desceu à terra e diverte-se ora a marcar golos ao Benfica ora a desgraçar o orçamento de estado.
Falando em Benfica, tenho de falar de Deus. Deus, como sabem, é benfiquista e, segundo um anónimo da Trafaria, terá até, em tempos idos, jogado a ponta esquerda nos juniores. Sendo isso altamente improvável, continuarei. Além de benfiquista, Deus é também de direita. Para tal confirmar tal facto, basta ler a passagem dos Génesis referente à Torre de Babel. Depois de ver tal cenário, o Criador terá pensado “Esses gajos estão muito unidos e qualquer dia quotizam-se e formam um sindicato. TOCA A SEPARAR!” E assim foi. Separados até aos dias de hoje. Na verdade os únicos Génesis que aprecio são os do Peter Gabriel e mesmo esses separaram-se, vá-se lá saber se inspirados pelo divino livro ou prevendo já as letras da música a solo do seu baterista Phil Collins. Canções como “Separate Lives” ou “Sussudio” (que ninguém percebe o que é) podem ter pesado na decisão.
Outro grande problema de Portugal é o facto da psicanálise não ser retroactiva. Passamos os dias a recordar os erros do passado, mas estamos sempre à espera de uma oportunidade para fazermos asneira outra vez. Somos de meio-termo, pouco ousados. Portugal é como um indivíduo que, cheio de confiança, ganha balanço e escarra para o chão.
O que acontece no caso português é que, quase sempre, a excreção fica pendurada por um fio de saliva, num vai e vem entre o chão e a boca. E então aí, o que fazemos? Pomo-nos a pensar. “E agora? Cuspo outra vez para ver se isto sai? Engulo? Finjo que estou a fazer de Alien numa gravação do TV Rural?”. Ida a coragem para a valeta, o português é dos que prefere engolir, saboreando a doce merenda do medo.
Deus fez os Snacks-bar, mas os portugueses, mais uma vez iluminados por um oportunismo e lucidez brilhantes, decidiram chamar-lhes Café. “Vou ao café”, dizem. Supor que se deve chamar café a um local, somente devido ao facto da bebida que aí mais se vende ser o néctar desse vegetal, é tão racional como dizer “Vou ao Aulin”, quando se vai a uma farmácia ou “Vou ao sexo” quando se sai para beber uma cerveja com os amigos. Os Snacks-bar portugueses são também uma coisa estranha. Basta entrar num desses locais num dia de Verão para compreender o seguinte:
- A Feira do Fumeiro não tem lugar em Montalegre mas sim nos sovacos do empregado de mesa.
- O apelido desses mesmos empregados é quase sempre Psssssstt (da grande família dos Psssssst portugueses).
- Há sempre uma cuspideira regurgitante vinda de uma diabética sentada na mesa três que se engasgou com um croissant com chocolate.
- Obrigado é uma palavra rude.
Posto isto, acabarei com algumas perguntas:
- Onde falhou Deus para ter criado Portugal?
- Porque respiram os portugueses?
- Porque é que o Mantorras só joga 7 minutos e meio?
Hugo Machado
A Razão da Mudança
Há 14 anos
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