quinta-feira, agosto 03, 2006

...E as Crianças, Senhor...


“As sociedades não se mudam pela força das armas, é esse o grande erro que, de geração em geração, se continua a cometer. Não é a força militar que deve constituir a panaceia para resolver todos os problemas, porque a violência para resolver os conflitos é contrária á dignidade humana. A discussão e o diálogo são os meios que abrem a via pacífica para terminar com a violência. Como parte da sociedade temos o direito de nos salvarmos por nós mesmos sem que as armas falem por nós. Já sei que isto é quase uma utopia mas não de todo inalcançável. “ Citação do Livro "Um mundo sem medo", de Baltazar Gárzon – Juiz Espanhol.
Sempre procurei manter alguma objectividade relativamente aos problemas quando se estão a discutir assuntos relacionados com Israel. Por um lado penso que os israelitas agem indiscriminadamente e com violência gratuita protegidos por uma espécie de complexo de culpa do ocidente, que os faz desculpabilizar alguns actos, face ao holocausto, por outro lado, os países fronteiriços para fazerem ouvir as suas pretensões, recorrem a métodos igualmente bárbaros. Não há, por isso, ninguém inocente. Ás vezes revela-se impossível manter a sanidade perante tantas mortes inocentes. Se a guerra já é, em si mesmo, uma perversão da alma humana, a perversão última é a aparente indiferença perante o facto de que, por incrível que pareça, os danos colaterais terem passado a ser os soldados mortos, a julgar pelos números dos ataques.
Faço parte do grupo de pessoas que deseja efectivamente a paz e a sã convivência entre os povos. Só que estes ataques estão a condicionar tudo. As nossas fileiras estão a perder adeptos e, claramente, não estão a ajudar as facções moderadas a prevalecerem. Muito pelo contrário. Temo que a escalada de violência arraste outros países para o conflito e que piore a situação. Pode estar iminente algo com dimensões mundiais com consequências a um nível nunca antes visto. Já não bastavam as condições de vida inerentes á localização geográfica, a falta de recursos que permitam a melhoria da qualidade de vida, ainda tem que se suportar uma situação da responsabilidade dos Homens, sem solução á vista.
Assim, com o passar do tempo o problema agrava-se quando se percebe que se alguém cede na sua posição moderada ao extremismo, normalmente torna-se mais extremista que os que já o eram, pois é como se tivesse de provar aos que agora o rodeiam, e em cada momento da sua vida, a sua nova postura. Por outro lado, matar os cabecilhas nada resolve. Seguindo o mesmo raciocínio, quem os substitui, vê-se na contingência de ser mais violento, para provar ser merecedor do lugar que ocupa. Como em qualquer empresa, a sua competência é avaliada na medida em que consegue superar o seu antecessor e, como o negócio é a violência, só recorrendo a formas mais requintadas, pode almejar a consegui-lo. Seguindo esta lógica e se nada se alterar, o contínuo extremar de posições, perpetuará a situação até que, no limite, as partes se exterminem.
As reacções à violência são compreensíveis. E o amor tem destas coisas. Quando nos privam do que amamos, o discernimento não é algo que prevaleça, principalmente quando o sofrimento se impõe de forma tão violenta. Quase não há ninguém que possa de alguma forma ajudar a suportar a dor, pois toda a gente está a sofrer de forma intensa pelos mesmos motivos. A morte torna-se uma banalidade. Não se conseguem desligar as imagens e a sensação de impotência perante os acontecimentos. Não é fácil assimilar o sofrimento e o sentimento de culpa, resultante da incapacidade em proteger os seres amados. Isto é algo que transporta em si um sentimento de tal forma avassalador que viver se torna uma agonia. Para atenuar as coisas desviam-se as frustrações para terceiros. Não existem perspectivas para as coisas se alterarem e, por isso, nunca há um desfecho para que a vida possa continuar, ainda que isto seja um lugar comum. Surgem continuamente casos semelhantes e todos revivem o seu problema como se da primeira hora se tratasse.
É difícil compreender o desespero de quem convive diariamente com tal nível de violência. De dia qualquer som que se pareça com uma arma, provoca sobressaltos de verdadeiro terror. É como se se caminhasse em permanência com uma arma apontada á cabeça e nunca se soubesse quando ia disparar, embora se sentisse que era uma questão de tempo. A incerteza conjugada com a inevitabilidade. A morte em lugar incerto. À noite, os pesadelos, os suores frios e o silêncio ensurdecedor em que qualquer som soa a ameaça. Ninguém dorme. Na escuridão, que potencia todos os medos quando todas as formas são indefinidas, este clima de morte latente torna-se insuportável.
As crianças acordam de pesadelos em choros sufocantes e perguntam porquê. Não há resposta. Embora saiba que algures em Israel ou em qualquer lugar do mundo, qualquer criança que pergunte a qualquer pai, obterá como resposta um longo silêncio ou uma referência vaga á maldade dos homens, ou então uma explicação fundamentada numa visão do mundo toldada por um qualquer sentimento de vingança de quem já não reage á violência sobre os inocentes. É destas convulsões que se geram as tendências para os mártires. Estou convencido que todos ganhariam mais se os de convicções fortes ajudassem a implementar uma nova ordem local, mais humanitária.
Ainda que se aprenda a conviver com a diferença e cesse a violência, os ressentimentos e a desconfiança vão fazer sentir os seus efeitos por muitos anos. Será uma tarefa árdua, mas valerá a pena acabar com as fotografias das mortes que se vão sucedendo a um ritmo desconcertante. Parece que é, nesta fase, muito mais fácil partir para a guerra e esquecer que os outros também têm sentimentos. É um profundamente narcisista pensar que se possui a exclusividade da dor.
Por isso mesmo, as questões sociológicas deveriam merecer maior atenção e servir de base ao aparecimento de um espírito comunitário na região. Se pensarmos que os israelitas têm um nível de vida incomparavelmente superior ao da esmagadora maioria dos países muçulmanos e, se o objectivo dos governos é trabalhar em prol do desenvolvimento económico e social em benefício das populações, então as parcerias são a melhor maneira de o fazer. A região é pobre. Os israelitas fizeram de um enorme pedaço de areia um país evoluído. Aliaram-se ao Conhecimento e conseguiram um feito notável. Não interessa a dimensão das críticas, esta é a grande verdade que é necessário sublinhar. Criar sinergias que permitam ás pessoas ter condições de vida que garantam uma existência digna, desde o saneamento básico, educação, saúde e segurança é a única solução para esta situação, que pode e deve ser feita em conjunto.

Filipe Pinto.

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