De acordo com as conclusões do “Painel População” dos Censos 2001, verifica-se a consolidação da faixa litoral ou da oposição litoral/interior, com extensão do litoral algarvio, através do Alentejo litoral, com 80% da população, evidenciando-se o eixo Braga-Setúbal, com 70%, sendo que, praticamente todas as zonas do litoral viram nas últimas décadas crescer a sua população enquanto as zonas do interior tiveram taxas de variação demográfica negativa.
A Partir dos Censos 2001, João Ferrão traça-nos uma panorâmica das dinâmicas territoriais e trajectórias de desenvolvimento do País.
Para o efeito considerou 4 domínios de observação: Ocupação do Território; Famílias; Empregabilidade e Condições de Vida.
Concluiu que estamos perante um país espacialmente desequilibrado – maior concentração de pessoas, actividades, competências, oportunidades, numa parcela reduzida do território.
O mesmo autor refere “O Portugal urbanizado, industrializado, infra-estruturado e demograficamente dinâmico – o litoral – destaca-se do Portugal rural, agrícola, subdesenvolvido, demograficamente repulsivo – o interior…”
“…A oposição litoral/interior pressupõe acção, vinculada neste caso a uma ideia chave das sociedades modernas, deve ser ordenado e planeado através de politicas públicas”.
Refira-se que João Ferrão é tão só e apenas o actual Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, pelo que caberá perguntar se terá o Governo alguma estratégia de desenvolvimento e de planeamento territorial que contrarie esta tendência.
Tomemos como exemplo, uma medida emblemática da actuação deste executivo - encerramento das urgências e maternidades – e leiam-se, a propósito, algumas passagens de uma intervenção, do deputado João Semedo, dirigida ao Ministro da Saúde:
“Sabemos que não são poucos nem pequenos os problemas do serviço de saúde. De cada vez que o governo tropeça num problema a resposta é invariavelmente a mesma: o encerramento do serviço em causa, trate-se de uma maternidade, hospital ou de uma urgência. Se o problema está numa maternidade fecha-se. Se o problema é o hospital fecha-se. Se é na urgência fecha-se. Este ministério não é um ministério é uma comissão liquidatária”.
“Muitos dos serviços que o governo se prepara para encerrar, precisam de mais meios humanos, técnicos e meios financeiros, para cumprirem as suas funções. E é isso que se exige que um governo faça”.
“O Governo refugia-se e argumenta com os múltiplos pareceres e relatórios como tudo se pudesse reduzir a uma questão de natureza exclusivamente técnica, insensível ao contexto local, à dimensão social e humana e tantas vezes dramática da prestação de cuidados de saúde e à necessidade de assegurar o equilíbrio e a solidariedade entre regiões no acesso aos serviços públicos de saúde”.
“Hoje é a maternidade que fecha, amanhã é o centro de saúde, mas, entretanto, o mesmo governo e a mesma politica já acabou com o posto de correios, a estação de comboios, a escola e o tribunal, deixando as populações entregues a si próprias. O Estado está em debandada. Esta politica contribui para a desertificação do interior e o esvaziamento das zonas menos desenvolvidas, dificulta a fixação nessas regiões e acentua as conhecidas assimetrias de desenvolvimento do país”.
Esta e muitas outras medidas parecem andar ao arrepio das verdadeiras necessidades de desenvolvimento do interior, com vista a uma maior coesão social e territorial e, cada vez mais acentuam, na dicotomia litoral/interior, aquilo que alguns autores referem como um país a duas velocidades. Eu não sei bem a que velocidade anda o litoral, mas seguramente que no interior está engrenada a marcha-atrás.
Numa lógica empresarial de rentabilidade e, de economia de escala, estaremos de acordo que nada será viável no interior, por isso não se fazem estádios, nem outros grandes equipamentos por que não há públicos, os serviços são onerosos, as infra-estruturas caras, os investimentos não têm retorno, e nesta perspectiva só há uma saída como qualquer empresa que não tem lucros, fecha-se a porta. Seja o governo, como dizia João Semedo, comissão liquidatária de todo o interior (neste caso) e vamos os restantes 20% viver para o litoral (ainda cabemos) e transforme-se o resto numa coutada, com parques de recreio e lazer para os nossos parceiros europeus.
Ou talvez não…
Estes dados demonstram a necessidade de outro tipo de desenvolvimento integrado e sustentado, que terá que passar por uma nova concepção social e politica da administração do território e aqui a Regionalização tem um papel fundamental a desempenhar por forma a combater as assimetrias no desenvolvimento do pais, a melhorar aproveitamento dos recursos, com definição de politicas concretas de povoamento, e da criação de centros urbanos com pólos de desenvolvimento, melhorar o investimento para vencer o isolamento e facilitar a fixação de quadros. Enfim, uma efectiva descentralização de poderes, competências e de meios.
É um debate que está por fazer na sociedade portuguesa.
Concordo com um dos comentadores a um anterior artigo que referia o papel fundamental da educação, pois sem massa crítica, digladiam-se argumentos de um e de outro lado, de forma dramática e, o “Zé” que está habituado a discutir cada assunto como discute o futebol, i.e., com entusiasmo clubista, nunca enxerga as faltas que a sua equipa comete e culpa os árbitros, os dirigentes, os adversários e a má sorte, pelos erros da sua própria equipa e vai deixando que (os do seu clube) governem a seu bel-prazer.
Apetece parafrasear o ilustre poeta futurista e tudo – Almada Negreiros – quando no início do século dizia “inventaram-se todos os remédios que hão-de salvar a humanidade, só falta mesmo salvar a humanidade”.
Jorge Gaspar
Sem comentários:
Enviar um comentário