Pré-publicação: A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao, de Junot Díaz, vencedor do Pulitzer Prize for Fiction 2008. O nosso herói não era um daqueles gatos dominicanos de quem toda a gente passa a vida a falar – não era nenhum jogador capaz de fazer um home-run, nem um dançarino de bachata, todo produzido, nem um playboy com um milhão de gajas no papo.
E, excepto durante um período muito inicial da sua vida, o tipo nunca tinha tido muita sorte com mulheres (uma coisa tão pouco dominicana).
Tinha sete anos, nessa altura.
Naqueles dias abençoados da sua juventude, o Oscar era qualquer coisa como um Casanova. Um daqueles namoradinhos do jardim-escola, sempre a tentar beijar as miúdas, sempre a aparecer-lhes por detrás durante um merengue e a dar-lhes aquela bombada com a pélvis; o primeiro negro a aprender o perrito, e aquele que o bailava em cada oportunidade que lhe aparecia. Como naquele tempo ele era (ainda) um miúdo dominicano «normal», criado numa família dominicana «típica», a sua mulherenguice nascente foi encorajada pela família e pelos amigos, de maneira igual. Durante as festas – e havia muitas, muitas festas, naqueles já tão longínquos dias dos anos setenta, antes de Washington Heights se tornar Washington Heights, antes de Bergenline se ter tornado um tiro e queda para os Espanhóis, em quase cem blocos de habitações – algum seu parente já com os copos empurrava inevitavelmente o Oscar na direcção de uma rapariguinha e, então, toda a gente se punha a berrar enquanto o miúdo e a miúda imitavam o movimento de ancas dos adultos.
Deviam tê-lo visto, suspirava a mãe nos seus Últimos Dias. Ele era o nosso pequeno Porfirio Rubirosa .
Todos os outros miúdos da sua idade evitavam as miúdas como se elas fossem uma daquelas formas horríveis em que o Captain Trips se transformava. O Oscar, não. Aquele homenzinho gostava de fêmeas, tinha «namoradas» à brava. (Era um miúdo forte, a caminhar rapidamente para o gordo, mas a mãe arranjava-lhe sempre uns cortes de cabelo e umas roupas catitas, e antes de as proporções da sua cabeça mudarem, ele tinha aqueles olhos que cintilavam adoravelmente e aquelas bochechas firmes, visíveis em todas as suas fotografias). As miúdas – as amigas da sua irmã, a Lola, as amigas da mãe, até a vizinha, a Mari Colón, uma funcionária dos Correios, de uns trinta e tais, que pintava os lábios de encarnado e caminhava como se tivesse um sino de bronze em vez de um cu –, todas se apaixonaram por ele, supostamente. Ese muchacho está bueno! (Fazia alguma coisa ao caso que ele fosse um miúdo sério e tivesse dificuldades de concentração? Nenhuma!) Na República Dominicana, durante as visitas de Verão à residência da família em Baní, ele era do piorio, plantava-se em frente à casa da Nena Inca e gritava para as mulheres que passavam – Tú eres guapa! Tú eres guapa! – até que um Adventista do Sétimo Dia fez queixa à avó, que fez calar aquela cantilena de sucesso a grande velocidade. Muchacho del diablo! Isto não é nenhum cabaré!
Para o Oscar, aquela foi, na verdade, uma Era Dourada, uma era que atingiu a sua apoteose no Outono do seu sétimo ano, quando ele teve duas namoradinhas ao mesmo tempo, o seu primeiro e único ménage à trois de sempre. Com a Maritza Chacón e a Olga Polanco.
A Maritza era uma amiga da Lola. De cabelo longo e nojentinha, e tão bonita que poderia ter desempenhado o papel da Dejah ThorisII. A Olga, por outro lado, não era amiga da família. Vivia na casa ao fundo do bloco, aquela da qual a mãe do Oscar se queixava de estar cheia de porto -riquenhos que estavam sempre por ali, pela entrada do bloco, a beber cerveja. (Olha que isto, não poderiam ter feito isso lá em Cuamo?, perguntava a mãe do Oscar, de mau humor.) A Olga tinha assim como que noventa primos, os quais pareciam chamar-se todos Hector, ou Luis, ou Wanda. E como a mãe dela era uma maldita borrachona (para usar as palavras da mãe do Oscar), nalguns dias, a Olga tinha um cheiro a cu, motivo pelo qual os miúdos lhe começaram a chamar Dona Porcalhota.
Dona Porcalhota ou não, o Oscar gostava da sua maneira de ser, calada, de como ela o deixava atirá-la ao chão e andar à bulha com ela, do interesse que ela demonstrava pelos seus bonecos do Star Trek. A Maritza era bela, só isso, sem qualquer outro tipo de atracção, também sempre por ali, e foi mesmo um golpe de puro génio que o convenceu a atirar-se a ambas, ao mesmo tempo. Primeiro, fingiu que se tratava do seu herói número um, Shazam, quem queria namorar com elas. Mas, depois de elas o aceitarem, deixou cair todos os fingimentos. Não era o Shazam, era o Oscar.
Eram dias bem inocentes, aqueles, e, por isso, a relação deles equivalia a ficar juntinho a cada uma delas, na paragem de autocarro, a um dar as mãos, às escondidas, e a uma dupla de beijos nas faces, muito a sério, primeiro, à Maritza, e, depois, à Olga, lá onde uns arbustos impediam que fossem vistos da rua. (Olhem para aquele pequeno macho, diziam os amigos da mãe. Que hombre.)
Aquele arranjinho a três durou apenas uma única e bela semana. Um dia, depois da escola, a Maritza encostou-o atrás do baloiço e ditou as regras, Ou ela ou eu! O Oscar segurou a mão da Maritza e falou de um modo grave, e bastante, sobre o seu amor por ela, recordando-lhe que eles tinham concordado em partilhar, mas a Maritza não quis ouvir nada daquilo. Tinha três irmãs mais velhas, sabia tudo o que necessitava saber acerca do que era partilhar. Não me voltes a dirigir a palavra a não ser que te vejas livre dela! Com a sua pele cor de chocolate e os seus olhos estreitinhos, a Maritza expressava já a energia Ogún com que enfrentaria toda a gente durante o resto da sua vida. Taciturno, o Oscar dirigiu-se para casa, para as suas bandas desenhadas da era anterior às fábricas clandestinas coreanas – para os Herculoids e o Space Ghost. O que é que se passa contigo?, perguntou a mãe. Estava a arranjar-se para ir para o seu segundo emprego, o eczema nas suas mãos a fazer lembrar um qualquer prato de comida mal amanhado que já tivesse assentado. Quando o Oscar se lamentou, As raparigas, a Mãe De León quase explodiu. Tu ta llorando por una muchacha? Levantou-o do chão por uma orelha.
Mami, pára com isso, gritou a irmã dele, pára!
Ela atirou-o para o chão. Dale un galletazo, disse, ofegante, e logo vais ver como essa putinha passa a respeitar-te.
Se ele fosse um gajo diferente, talvez tivesse considerado aquela hipótese do galletazo. Não era apenas o facto de ele não ter um pai qualquer para lhe mostrar as regras dos homens, faltavam-lhe, simplesmente, quaisquer tendências agressivas e marciais. (Ao contrário da irmã, que bulhava com rapazes e com bandos de morenas que odiavam o seu nariz fino e o cabelo assim para o liso.) Numa avaliação de combate, o Oscar teria assim como que um zero; até a Olga, com os seus braços como palitos, era capaz de lhe bater os pés. Agressão e intimidação estavam fora de questão. Por isso, reflectiu sobre o assunto. Não demorou muito a decidir. Ao fim e ao cabo, a Maritza era bela, e a Olga, não; às vezes, a Olga cheirava a mijo, e a Maritza, não. A Maritza tinha permissão para ir a casa deles, e a Olga, não. (Uma porto-riquenha aqui em casa?, dizia a mãe, com escárnio. Jamás!) Assim, o seu raciocínio lógico aproximou-se tanto da matemática do sim ou não dos insectos quanto um gajo lá podia chegar. Terminou tudo com a Olga, no dia seguinte, no recreio, com a Maritza a seu lado, e como a Olga tinha chorado! A tremer como um farrapo, naquela sua roupa herdada e naqueles sapatos quatro tamanhos acima dos dela! O ranho a sair-lhe do nariz e tudo! (Público).
Ficha do livro
Código: 04148
Editora: Porto Editora
ISBN-13: 978-972-0-04148-7
Última Edição: Setembro de 2008
N.º de Páginas: 296
Preço de Capa: EUR 16,50
Encadernação: Capa mole
Dimensões: 15 x 23,5 cm