O Primeiro Ministro, Eng.º José Sócrates, afirmou em conferência de imprensa, no final da XVI Cimeira Ibero-americana, realizada no passado fim-de-semana em Montevideu, que “Em matéria de visão humanista e respeito pelos direitos humanos, não encontra melhor exemplo do que os EUA, a política externa (Norte Americana) valoriza estes pontos”.Como já estamos habituados a que o Sr. Primeiro Ministro diga o contrário daquilo que pensa, é muito possível que quando diz “não encontro melhor exemplo”, esteja a pensar “não encontro pior exemplo” e se assim for, pensa muito bem.
Destacamos quatro paradigmas da visão humanista daquele País, designadamente: a aplicação da pena de morte, a base naval de Guantánamo, a invasão do Iraque e a liberdade de expressão.
1. Hoje, os EUA fazem parte de um grupo de países resistentes, onde a pena de morte é ainda oficialmente permitida, sendo o segundo País, depois da China, onde mais pessoas são executadas anualmente.A Amnistia Internacional, revelou que pelo menos 2.148 pessoas foram executadas em 2005 – 94% dos quais nos EUA, Irão, Arábia Saudita e China. 20.000 pessoas estão no corredor da morte.
Apesar dos esforços desenvolvidos por inúmeras organizações não governamentais bem como dos acórdãos e tratados internacionais com vista à abolição da pena de morte, os EUA, não se limitam a mantê-la, como ainda violam sistematicamente a Convenção de Viena, não informando os demais países das detenções e condenações de cidadãos estrangeiros, ao ponto de terem sido condenados (em 1999) pelo Tribunal Internacional de Justiça, por ignorarem os direitos de (Walter e Karl LaGrand), dois irmãos de origem alemã executados.
2. Ainda em matéria humanista, os Estados Unidos na sua caminhada imperial do “quero posso e mando” votaram contra o projecto da criação do Tribunal Penal Internacional, (com competência para julgar crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade), de modo a evitar que seus soldados viessem a ser julgados por esse tribunal, ao mesmo tempo que tratam (à sua maneira) os prisioneiros suspeitos de terrorismo, em total desrespeito pelos direitos humanos.O exemplo disso são as detenções em Guantánamo (Cuba), em que centenas de pessoas estão há 5 anos presas, sem acusação nem julgamento, vendo os seus direitos mais elementares serem-lhes negados, sujeitos a torturas e maus-tratos. Os prisioneiros não têm acesso ao tribunal, aconselhamento jurídico ou a visitas dos seus familiares.
Têm sido reveladas tentativas de suicídio e greves de fome (segundo o Jornal The New York Times, para não morrerem, são amarrados em cadeiras e obrigados a alimentarem-se por um tubo).
Veja-se a propósito, o filme estreado este ano, de Michael Winterbottom, “Caminho para Guantánamo”, e que ganhou o “Urso de Prata” no Festival de Berlim. O filme mostra as condições degradantes em que se encontram os detidos e suscita questões sobre a eventual inocência de muitos deles.
Por sua vez, o Comité da ONU contra a Tortura, recomendou aos Estados Unidos que encerre o centro de detenção na baía de Guantánamo. O Comité concluiu que se deve permitir aos detidos acesso à justiça ou então libertá-los o quanto antes e que não devem ser enviados para países onde praticam a tortura (uma prática corrente).
3. Ainda em nome da luta contra o terrorismo, os EUA invadem países, ao bom modo das cruzadas religiosas da idade média, e sob o desígnio de um deus justiceiro, (na luta do bem contra o mal), matam centenas de milhares de inocentes, destroem as infra-estruturas, saqueiam, tomam conta, mandam matar os seus dirigentes, impõem as suas leis e deixam por onde passam um rastro de sangue, miséria e destruição.A propósito dos métodos utilizados na guerra “preventiva” contra o Iraque, a rede de televisão italiana, RAI exibiu, em 2004, um documentário intitulado Fallujah onde se comprova o uso de armas químicas por militares americanos, designadamente o uso de fósforo branco, queimando “as carnes até aos ossos”, queima indiscriminadamente, as mulheres e as crianças são as principais vítimas.
Sempre se soube que no Iraque não havia armas de destruição maciça, nem que apoiava o terrorismo e, quanto a ser uma ditadura sanguinária, sempre se pode perguntar quantas ditaduras sanguinárias são amigas e apoiadas pelos americanos. Mas essas não pesam na consciência. O Paquistão, A Arábia Saudita, Israel, algumas ditaduras da América Latina, entre outras, representam o “Bem” nessa cruzada.
4. As garras do “Tio Sam” também se viram contra aqueles que ousam criticar a politica do Sr. Bush, e sobre isso é elucidativo um artigo ontem publicado no jornal espanhol “ El País” subscrito por Javier del Pino “…Natalie Maines, vocalista do grupo country Dixie Chicks, disse há três anos, num espectáculo em Londres que estava envergonhada por o Presidente dos Estados Unidos ser do Texas como ela. Foi o fim da sua carreira. As emissoras de rádio deixaram de emitir a sua música e as várias cadeias de televisão recusaram emitir o anúncio de um documentário que narra este incidente. O documentário “Shut up and sing” (cala-te e canta) mostra o declive imediato do que era até esse momento, o grupo country mais famoso e rentável dos Estados Unidos, As Dixies Chicks…”.“Tristemente isto diz muito sobre o nível do medo que há nessa sociedade. Põe na lista negra um filme sobre um grupo de artistas que foram postos numa lista negra por exercerem o seu direito à liberdade de expressão”.
Sr. Primeiro Ministro (depois desta pequena espreitadela à “realpolitik” ou à “Ideological Politics”-fica ao critério de quem lê), parece-me que a frase que V Ex.ª proferiu fica muito melhor se sofrer “pequenas” alterações, podendo ficar assim: “Em matéria de visão humanista e respeito pelos direitos humanos, não encontro, no chamado mundo civilizado, pior exemplo do que os EUA, a politica externa (Norte Americana) valoriza estes pontos”.
Mas, lapsus linguae, cada um pode ter.
Jorge Gaspar
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