quarta-feira, janeiro 31, 2007

O estado a que o Estado chegou

Estão reabertas as hostilidades contra os Funcionários Públicos.
Aproveitando o momento em que a sociedade portuguesa se encontra dividida na questão da despenalização do aborto e faz do referendo um acontecimento nacional, o governo, com a sua esperteza saloia, continua a sua “politica de terra queimada” num ódio mal disfarçado contra tudo que é público e aproveita o facto de estarem todos a olhar para o lado, para desferir mais uns ataques ao Sector Público e aos Trabalhadores do Estado.
Desta vez o mensageiro da (des)graça foi o Secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, que nos anuncia o alargamento dos despedimentos por motivos funcionais; a progressão por mérito sujeita a quotas e condicionada por disponibilidades orçamentais e ainda a eliminação de suplementos aos salários de um número significativo de funcionários públicos.
O regime actual limita o despedimento na função pública a situações extremas, tais como agressão ou injúria, grave insubordinação ou suborno, mas a partir de agora vai ser possível despedir por motivos de violação dos deveres funcionais e para quem não sabe o que são deveres funcionais, o Secretário de Estado esclarece: “Deveres funcionais são os que os funcionários públicos devem cumprir no exercício das suas funções" da mesma forma que estar vivo é o contrário de estar morto (ou talvez não). Esta definição aparentemente inócua mesmo que venha a ser objectivada em documento disciplinar vai permitir, pela sua redonda indefinição, total discricionariedade de quem tenha o poder de decisão, ficando o trabalhador numa situação de plena vulnerabilidade e subserviência sujeito a assédio dos que de alguma maneira controlam o poder. Mas, como uma desgraça nunca vem só, o governo acena com a progressão nas carreiras sujeita a mérito e a disponibilidade orçamental, isto é, primeiro há que haver mérito, mas pergunta-se: quem avalia o mérito? Com que critérios? Que instrumentos de controlo para que não haja abusos nem favores? Que competência tem quem avalia? Depois, mesmo que tudo seja feito de forma correcta e isenta, ainda fica nas mãos do “poder”, decidir se há ou não disponibilidade orçamental, podendo ficar a progressão adiada “sine die”.
Os Serviços Públicos estão a tornar-se naquilo que os partidos políticos do poder já se tornaram há muito: “grupos de amigos”, onde se trocam favores, se gerem influências e se trata da vidinha de cada um, por isso não se mexe na forma das nomeações dos lugares políticos, nem nas questões do recrutamento e selecção dos funcionários, apenas se retiram poderes e se fragilizam as relações laborais, os vínculos tornam-se precários, as funções são desvalorizadas, o despedimento é a espada de dâmocles que paira sobre a cabeça de quem não lamber as botas dos senhores.
Perspectiva-se um serviço mais corrupto, menos justo, menos solidário, menos competente, menos exigente, apenas mais subserviente, submisso, menos serviço público e mais serviço privado (de uns quantos que migram do aparelho dos partidos para o aparelho do Estado) num processo que se poderia designar de POLVO com as devidas conotações politicas, sociais e económicas que este nome suscita.
O Governo já demonstrou que não quer modernizar a administração pública, nem criar mecanismos de recrutamento e de formação que permitam a qualificação dos recursos humanos, está apenas interessado em desmantelar e entregar à iniciativa privada o que der lucro e o resto que sirva de moeda de troca para satisfazer clientelas pois é sempre preciso manter algum Estado, atendendo ao estado a que o Estado chegou.
Jorge Gaspar.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Opinião do Artista Quando Jovem


“Quanto ao poder laico, e livre, da política, é clara uma transferência do poder político para o poder religioso. É sintomático que as grandes discussões a que, desde há tempos, o País assiste tenham subjacente uma jaez militar ou religiosa. Progressivamente é essa a duplicidade institucional que ordena, solidifica. Do último ponto de vista dois exemplos recentes adensam a preocupação já expressa: por um lado a competição política, provinciana, que já se vislumbra e decerto crescerá, à volta da visita do Papa a Portugal. Pelo rumo que o facto leva vamos assistir naquele que devia ser um acontecimento pastoral e moral de extrema importância, a um jogo turvo de influências, para que saiba quem convidou, quem esteve mais minutos com Sua Santidade, quem mais o acompanhou, quem ganhou os seus louros. O segundo tem que ver com o tom ‘Cro-Magnon’ com que a questão do aborto tem sido tratada entre nós. (…) a AD não tem a menor autonomia de discurso, já se não pede de voto, nem de vontade, em relação à Igreja, e limita-se a repetir o que esta diz,a presenciar o que esta proclama. Os socialistas dividem-se entre a sua história e a história que a Igreja quer que eles façam.Só por referência lembre-se, por exemplo, que em França foi uma liberal, assumida como tal, da maioria giscardiana, a senhora Simone Weil quem, contra os mais conservadores e os mais ortodoxos, impôs a lei do aborto. Lá, os socialistas não tiveram dúvidas. Giscard, líder da maioria, não interferiu. Quer isto dizer, uma vez mais, que somos subdesenvolvidos; e que, no caso, andamos atrasados, à direita e à esquerda. A menos que se rejeite a Europa moral e apenas se queira a Europa económica…”.
“Não tem nada a ver com a Europa um país em que o discurso da social-democracia sobre as questões morais se limita a dizer que o aborto é a restauração da pena de morte. É próprio dos mais conservadores dentro dos conservadores, e sul-americano concerteza. Não tem nada a ver com a Europa que a livre iniciativa seja um palmarés deixado vazio, preterido pelas fáceis e dóceis concessões às corporações fácticas. É próprio dos Estados sobretudo confessionais e não de sociedades civis dinâmicas. Não tem nada a ver com a Europa que se regrida a ponto de substituir o acto livre e consciente, por isso pleno e sublime de escolher uma religião, pela imposição de um princípio de obrigatoriedade, por isso sem elevação, nas escolas, de uma confissão. É próprio do passado.”
“Nesta coluna não deixei de fazer notar divergências a uma série de atitudes e propostas que não se coadunavam com princípios modernos de relacionamento entre a sociedade, o Estado e as instituições. Assim se fez quando o Governo anunciou a concessão de um canal de Televisão à Igreja; assim se fez quando surgiu na maioria um discurso primitivo e desinteressante a propósito das questões éticas ou morais, como o aborto, mais afeito a ‘slogans’ que à percepção de um problema que não é fechado; assim se fez, recentemente, a propósito da reintrodução da obrigatoriedade das aulas da religião e moral nas escolas, por considerar-se a escolha religiosa um acto só sublime quando livre.”

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Eusébio da Silva Ferreira



Eusébio da Silva Ferreira nasceu no dia 25 de Janeiro de 1942,em Mafalala, um bairro pobre de Lourenço Marques, actual Maputo, em Moçambique. Oriundo de uma família muito modesta, a sua infância foi passada a jogar na rua com bolas de trapos.
"Quando Eusébio tinha cerca de 6 anos, entrou para a Escola primária, sem que revelasse especial apetência pelo estudo. Já as bolas de papel, de trapos ou de meias, cruzavam-se à frente dos seus olhos arregalados.”Falta um”, alguém gritou, recorda Eusébio, no belo dia que se sentiu pela primeira seleccionado. E até nada o perturbou por ter sido última escolha. O cenário foi um campo de terra quente, ligeiramente acidentado, de balizas improvisadas com pedras ou talvez caniços.
Amava a bola. Amava o jogo. As proibições, as reprimendas, as sovas de varapau, constrangiam Eusébio. Tinha 11 anos quando o Chico se encostou à sua vida. “O senhor Chico”, lembra em sinal de respeito “era doido por futebol”. Deficiente físico, sem braço direito, adepto do Belenenses, vendia cautelas nas ruas da cidade. Era um entusiasta dos imperdíveis jogos dos miúdos do bairro. O Chico teve uma ideia peregrina, o de formar uma equipa de futebol, a que deu o nome de “os brasileiros”, clube que usava alcunhas dos jogadores do Brasil: Eusébio era o “Pele”."
Mais tarde, recusado pelo “Desportivo”, foi para o Sporting de Lourenço Marques, onde chega ao título de campeão moçambicano com apenas 16 anos, sendo o mais jovem jogador da equipa sénior e um dos melhores marcadores da equipa.
Em 1960 a equipa do Sporting de Lourenço Marques foi numa digressão às Ilhas Maurícias, e na metrópole ouviam-se ecos de um rapaz que fazia maravilhas com a bola.
O assédio do exterior não se fez esperar. O FC Porto foi o primeiro clube a manifestar interesse em trazer Eusébio para a Metrópole. Só que o Benfica já estava avisado do seu valor, e os responsáveis «encarnados», aproveitando uma viagem que entretanto fizeram com a equipa à capital moçambicana, trataram logo do negócio. Na tentativa de provocar um volta-face, o Sporting ainda se intrometeu no processo, e a ordem de ataque chegou a partir, quase em simultâneo, de Alvalade, mas já era tarde.
Eusébio ainda hoje agradece a Jaime Duarte (que contara com a ajuda de Hilário para fazer a aproximação) a atitude que este tomou, não forçando em excesso a sua resistência. É que, por mais anos que viva, nunca esquecerá a sensação que teve quando aquele ex-representante leonino lhe colocou 500 contos em cima de uma mesa; bastava-lhe rabiscar o nome num contrato para elas passarem para as suas mãos. «Nunca tinha visto tanta nota junta. Mas não as aceitei, porque iria arranjar um problema de todo o tamanho se desrespeitasse a palavra da minha mãe.» A verdade é que, apesar de resistir, estava fascinado por ver tanto dinheiro à sua frente. Jaime Duarte compreendeu-o. Num gesto brusco, meteu as notas no bolso, despediu-se e saiu porta fora.
Foi um alívio. Eusébio mantinha assim vivo o comentário que a mãe fizera quando o brigadeiro Rodrigues Carvalho conseguira obter o seu compromisso a troco de 110 contos, também entregues em mão: «Filho, isto é que é dinheiro grosso.» Em todo o caso, o episódio teve o condão de fazer o Benfica aumentar a parada, dando-lhe mais 140 contos e fixando-lhe o ordenado mensal em seis mil escudos. Eusébio teve muitos dias de glória sobre os relvados de todo o mundo, mas no seu álbum de recordações está registada a letras de ouro uma noite vivida no recato de um quarto algarvio, muito antes de entrar na galaria das estrelas. O «forcing» do Sporting fez com que os dirigentes do Benfica levassem Eusébio em segredo para o Algarve, a fim de evitarem mais aproximações. Desesperado por não jogar e assustado com a situação criada à sua volta, sempre que telefonava à mãe pedia-lhe que o fizesse regressar a casa: «Mãe, vou voltar, porque há aqui homens que me querem fazer mal.» E Dona Elisa tentava tranquilizá-lo: «Filho, tem calma, aguenta, que eles no Benfica vão resolver tudo.» Os dias passavam, monótonos, sem ponta de interesse para aquele jovem africano, na clausura da Meia Praia, em Lagos. Fazia umas corridas, treinava sozinho com uma bola, comia e enfiava-se no quarto. Até que um dia Domingos Claudino, que o acompanhava, lhe veio dar a boa nova. Acabara de receber um telefonema de Gastão Silva: «Chama aí o miúdo e diz-lhe que está tudo tratado, já está inscrito pelo Benfica na Federação.» Finalmente recebia a notícia que mais ambicionava. Pulou de contente. «Foi uma satisfação enorme. Eu só queria jogar, e à noite tinha aquela angústia de nunca mais ver resolvido o problema. Estava habituado a marcar golos e tinha medo que quando entrasse em campo oficialmente já não fosse capaz de o fazer.»
A 23 de Maio de 1961, Eusébio estreia-se com a camisola do Benfica num jogo de Reservas contra o Atlético, num jogo que o Benfica ganhou por 4-2, com três golos de Eusébio.
Dia 10 de Junho de 1961.No pé esquerdo colocou a talismã moeda de 25 tostões que trouxera de Moçambique.” Subi os degraus, velozmente. Quando entrei e se me deparou uma multidão que gritava o meu nome, num testemunho de confiança que nunca esqueci, fiquei tonto. Ninguém imagina como estava nervoso, mas os aplausos cada vez mais quentes deram-me ânimo”. Era a estreia de Eusébio na equipa principal do Benfica, num jogo contra o Belenenses, que o Benfica ganhou por 4-0, com um golo de Eusébio.
No defeso da época, mais propriamente no dia 17 de Junho de 1961, o Benfica defrontou o Santos de Pelé, no Parque dos Príncipes, na final do torneio de Paris. No final da primeira parte e com Eusébio no banco o Benfica perdia 4-0.Guttmann anunciou que Eusébio entraria no recomeço. Pensou que estava a ser lançado às feras, ideia confirmada quando aos 48 minutos, o Santos elevou para 5-0. Mas a tranquilidade de um jogo decidido foi abalada entre os 63 e 80 minutos. Eusébio marcou três golos em pouco mais de um quarto de hora e ainda sofreu um penalti que José Augusto desperdiçou, deixando a plateia de boca aberta.
No dia seguinte a fotografia de Eusébio sai na primeira página do jornal francês L’Équipe.
“No dia em que deveria ser conhecida a lista de convocados que se deslocaria ao Luxemburgo, a minha cabeça não sossegava”, diria Eusébio mais tarde.
Sem motivo. Foi convocado. Imaginou-se a olhar para a bandeira das quinas ao som da “portuguesa”. Peyroteo era o treinador. Costa Pereira, Mário Lino, Morato, Hilário, Péricles, Lúcio, Yaúca, José Águas, Coluna, Cavem e Eusébio foi a equipa apresentada.
A estreia foi desastrosa, decorria o dia 8 de Outubro de 1961. Ao intervalo Portugal perdia por 2-0.No final, uma derrota por 4-2. Eusébio teve uma exibição modesta apesar do golo marcado. Ficou a honra de vestir a camisola das quinas. A 1 de Novembro Eusébio estreia-se na Taça dos Campeões Europeus. O Benfica defrontava o Áustria de Viena e consegue fora um empate. Na Luz, o Áustria perde por 5-1 com Eusébio a marcar o quarto golo do jogo.
Era chegada a hora de medir forças com o Real Madrid, esse colosso da Europa, de Di Stefano, Puskas, Gento e Santamaria. Ao Benfica competia fazer a defesa do Titulo de Campeão Europeu. O jogo foi preparado com rigor sob o comando de Bella Guttmann.
Eusébio escreveu uma das mais bonitas páginas sobre futebol naquele 2 de Maio de 1962. Costa Pereira, Mário João, Ângelo, Cavem, Germano, Cruz, José Augusto, José Águas, Coluna e Simões foram os companheiros da gloriosa jornada. Ao intervalo, o Real Madrid vencia por 3-2, com hat-trick de Puskas. No descanso Guttmann só pronunciou uma frase -“o jogo está ganho, não se preocupem”-para estupefacção geral. “ Olhamos uns para os outros, pensando que o homem estava doido mas a verdade é que dito acabou consciente ou inconscientemente por nos galvanizar”, sustenta José Augusto. Logo aos cinco minutos, surgiu o empate, autoria de Coluna. Eusébio, após magistral apontamento, caiu na área, derrubado em falta.Com carinho colocou a bola na marca, “maricon” lhe chamou Santamaria com o intuito de o desconcentrar. Eusébio não entendeu e em surdina questionou Coluna.” Marca o golo e chama-lhe “cabron” ”. Foi o que fez.
Aos 23 minutos, livre directo perto da grande área.” Coluna deu um toque na minha direcção. Atirei fortíssimo e fiz golo”Aquela metade complementar foi inesquecível, resultando na vitória por 5-3, numa reviravolta memorável. Vaidade de bicampeões da Europa. Sua Majestade Eusébio subia ao trono.
Nesse jogo histórico, com o Real Madrid, Eusébio concretizou um dos maiores sonhos da sua vida, ao obter o troféu que mais ambicionava: a camisola do seu ídolo Alfredo Di Stefano. «O Benfica tinha conquistado a mais importante taça da Europa a nível de clubes, mas, para mim, a camisola do Di Stefano era o máximo, dava-me mais gozo possuí-la.» No entanto, teve de esforçar-se bastante para não a perder. Na euforia da vitória, e porque tinha marcado dois golos, os adeptos tiraram-lhe o equipamento. Então foi vê-lo a andar pelo relvado, descalço e quase nu, com a taça na mão direita e a esquerda metida dentro das cuecas para proteger a preciosidade que ali havia escondido. Quando regressou aos balneários, tirou-a do esconderijo e beijou-a com devoção.
Logo nesse ano, a Juventus, de Turim, fez-lhe um tentador convite, oferecendo-lhe 25 mil contos. Quase na mesma altura, o Real Madrid, por influência de Di Stefano, também o pressionou com uma oferta igual. Eusébio ficou eufórico ante a perspectiva de se transferir para o estrangeiro, ainda por cima por uma verba astronómica. O Benfica deve ter falado com o então Presidente do Conselho, Salazar mandou-me chamar e disse-me que eu não podia sair do País, porque era património do Estado! Fui prejudicado nesse momento. Hoje teria uma grande fortuna”. Tinha apenas 22 anos. Como “prémio do título atribuído por Salazar”, foi incorporado no serviço militar. Foi despachado para a tropa. Nos ficheiros consta o recruta 1987/63 da 1ª bateria de instrução do RAAF. Pela selecção militar fez doze jogos e marcou nove golos.
No dia 23 de Outubro de 1963, estreou-se com a camisola da FIFA, num jogo de comemoração do centenário da Federação Inglesa de Futebol. Era a primeira vez na história, que o chamado Resto do Mundo fazia um jogo, seleccionado pelo chileno Fernando Riera. Em campo entraram Yashin (União Soviética), Djalma Santos (Brasil), Pluskal (Checoslováquia), Pophular (Checoslováquia), Schnellinger (RDA), Denis Law (Escócia), Masopust (Checoslováquia), Kapa (França), Di Stefano (Argentina/Espanha), Eusébio (Portugal) e Gento (Espanha).
Jogou com as insígnias da UEFA no final da temporada 1963/64, numa partida entre a selecção da Escandinávia e o Resto da Europa, convocado juntamente com José Augusto. Lançado na segunda metade, ainda atempo de fazer um golo. Venceu por 4-2. Na época seguinte, nova chamada à selecção da UEFA, na companhia de José Augusto e Simões. Quatro golos marcou e o outro ainda falou português, apontado por José Augusto. O Resto da Europa venceu por 7-2 a Selecção da Jugoslávia.
Voltou a jogar pela selecção da FIFA, em Santiago do Chile, frente à Universidade Católica (4-3 com dois golos da sua autoria). Pela UEFA, em Madrid, com a Espanha (3-0 um golo), na homenagem a Zamora; perante o Hamburgo (7-3 um golo) na então RFA, por ocasião do abandono de Uwe Serbas e ante a selecção da América Latina (4-4, um golo) em Barcelona no 1º Dia Mundial do Futebol.Com carácter oficioso representou a Selecção do Mundo, em Londres, no confronto com o West Ham (4-4) e também em Bruxelas, frente ao Anderlecht (3-8).
O ano de 1965 é um ano inesquecível para Eusébio, a prestigiada revista France Football elege-o como Melhor Futebolista Europeu do Ano.
Chega o ano de 1966, Portugal está pela primeira vez no Campeonato do Mundo de Futebol, que é realizado em Inglaterra. A nossa selecção parte como uma incógnita para o Mundial. No dia 11 de Julho a Rainha Isabel II declara aberto o Mundial de Inglaterra, Portugal estava inserido no grupo do bicampeão Mundial, o Brasil, mais a Hungria e a Bulgária, com sede em Manchester.
O primeiro jogo de Portugal realiza-se no dia 13 de Julho contra a Hungria que é despachada com 3-1, quatro dias depois Portugal despacha a Bulgária com um concludente 3-0 com um golo de Eusébio.
Dia 19 de Julho 1966, o embate esperado entre Portugal de Eusébio e o Brasil de Pelé, Campeão Mundial em título, leva o mesmo Campeonato ao rubro. Sessenta mil espectadores no Goodison Park em Liverpool como testemunham. Simões marcou primeiro e aos 26 minutos, depois de um toque de Torres, Eusébio nas alturas violou as redes.”Foi um golo muito importante para mim, o primeiro de cabeça na selecção”. Rildo ainda reduziu, mas o jogo continuava controlado, ao cair do pano Eusébio enlouqueceu as bancadas. Na sequência de um canto, Eusébio disparou quase à velocidade da luz, numa fantástica explosão da sua habilidade, fulminando as redes. Era a melhor forma de selar uma exibição de grande esplendor. “Ao abandonar o estádio a caminho do autocarro, foi uma loucura. Centenas de pessoas esperavam-nos, cantando e gritando”, disse Eusébio mais tarde. Portugal arrepiava caminho para os quartos de final do Mundial.
Dia 23 de Julho de 1966, Portugal – Coreia Norte, para os Quartos de Final do Campeonato do Mundo de 1966, um jogo que tornar-se-ia arrepiante e inigualável. A equipa asiática entrou de rompante, assinando o primeiro golo ainda no minuto inaugural. No curto espaço de outro fatídico minuto, o 14 º, mais dois golos de rajada acentuaram o temor. Ninguém percebia o que se estava a passar. Eusébio foi o primeiro dos imperturbáveis. Rebelou-se com o seu ímpeto galvanizante. Dois golos marcou antes do intervalo. Otto Glória colérico disse “ coisas que jamais tinha ouvido da boca de um treinador” disse Eusébio. A reprimenda, bem adjectivada, surtiu efeito. A equipa jogou nos limites. Eusébio fez o resto. Desconcertante. Aos 11 minutos apontou o golo da igualdade. Pouco depois, olhos na bola, percorreu todo o flanco esquerdo, aguentando tentativas desesperadas para o suster, até que tombou dentro da área. Foi penalti, convertido de forma autoritária. José Augusto fez o golo da confirmação dos 5-3, na mais bela página do futebol português. Os quatro golos num jogo, ainda por cima, nos quartos de final do Campeonato do Mundo, fizeram de Eusébio uma lenda planetária. Portugal acabaria por ficar em terceiro lugar do Mundial depois de perder a meia – final, de uma maneira escandalosa para a Inglaterra, 2-1, e após a vitória de 2-1 sobre a União Soviética de Yashin.
A esta fabulosa participação de Portugal deve-se juntar, o título de melhor marcador do Mundial para Eusébio com 9 golos marcados, o melhor jogador do Campeonato do Mundo para Eusébio e para Portugal o ataque mais concretizador da competição.
Á chegada a Lisboa, a selecção é recebida em apoteose. Apesar da hora tardia de chegada, três horas da manhã, milhares de pessoas esperavam pela equipa das quinas. No dia seguinte, houve um cortejo em carro aberto desde da Praça Marquês de Pombal até São Bento onde os magriços iriam ser recebidos por Salazar.
Depois do Mundial Eusébio e sua mulher Flora foram gozar férias para Itália, a convite do Inter de Milão, clube com o qual chegou a um acordo de princípio. O Inter pagava-lhe noventa mil contos para assinar contrato, uma fortuna para a época. diz Eusébio “ Naquele tempo dava-me para comprar os Restauradores”. Eusébio chegou a acreditar que lhe abririam as portas, pois além de ter sido o melhor goleador do Mundial e de ter ajudado a selecção a conquistar o 3º lugar já ganhara vários Campeonatos, Taças, a Bota de Ouro, Bolas de Prata, etc. Enganou-se. Salazar manteve-se irredutível, e nem na oitava vez que foi a São Bento conseguiu demovê-lo.Outros convites se seguiriam, mas o Benfica, irredutível, não permitiu a sua saída. Só a meio da década de setenta o libertou.
Em 1969 ganha a sua sétima Bola de Prata, com 40 golos, e em 1972 ganha pela segunda vez a Bota de Ouro.
Em 28 de Março de 1973, Eusébio marca o último golo pela selecção de Portugal, num jogo disputado em Conventry contra a Irlanda do Norte que acabou empatado a uma bola.
No dia 25 de Setembro de 1973 o Estádio da Luz vestiu-se de gala, para a festa de homenagem a Eusébio, promovida pelo Benfica, “ no cumprimento de uma cláusula do Contrato”. Milhares de apoiantes participaram entusiasticamente no tributo ao Rei Eusébio.
Com Fernando Cabrita como responsável técnico, o Benfica empatou 2-2 frente a uma selecção mundial. Nené apontou os golos do Benfica, e Banks, Iribar, Jackie Charlton, Blakembourg, Netzer, Bobby Charlton, Paulo César, Best, Keita, Kaiser, Seeler, Dirceu e Gento, regressaram aos seus países de origem com o certificado de participação numa jornada inolvidável.
No dia 13 de Outubro de 1973, Eusébio despede-se dos jogos da selecção num empate a dois golos na Luz, frente à Bulgária. A 24 de Outubro marca o último golo na Taça dos Campeões Europeus. O último jogo de Eusébio pelo Benfica ocorreu em 18 de Junho de 1975, um jogo particular realizado em Casablanca, Marrocos, contra uma selecção africana, que o Benfica perdeu por 2-1. Eusébio deixava o Benfica ao fim de 715 jogos.
Essencialmente a carreira de Eusébio está ligada ao Benfica, mas após deixar o Benfica ainda representou em 1975 o Bóston Minuteman, 8 jogos 2 golos, em 1975/1976 o Monterrey, do México, 10 jogos 1 golo, e foi vice-campeão mexicano, 1976 Toronto Metro-Stars, 25 jogos 18 golos e sagrou-se campeão da NASL, regresso a Portugal para representar o Beira – Mar, 12 jogos 3 golos, 1977 o Las Vegas Quicksilvers, 17 jogos 2 golos, e finalmente em 1978 novo regresso a Portugal para representar o União de Tomar da segunda divisão.
Em Fevereiro de 1979, o maior embaixador do futebol português anunciou o adeus definitivo aos estádios de futebol.
As Bodas de Ouro natalícias propiciaram em 1992 o Ano de Eusébio. A verdadeira festa de homenagem do Benfica e dos benfiquistas a Eusébio. No dia 25 de Janeiro de 1992, data do seu Quinquagésimo aniversário, foi inaugurada a sua estátua, hoje verdadeiro ex.libris do parque desportivo do Benfica, e seguramente a estátua mais fotografada de Portugal. É uma obra do escultor norte-americano Duker Bower, e foi oferecida por Vítor Baptista, um açoriano radicado nos Estados Unidos, e grande benfiquista.
A FIFA deu a Eusébio – no dia 12 de Janeiro de 1998 em Paris – o título de grandeza que lhe faltava, ao consagrá-lo como um dos dez melhores jogadores de futebol de todos os tempos.
Mário Soares, na qualidade de Presidente da República, já lhe havia atribuído a Ordem do Infante, a 1 de Dezembro de 1992, e o próprio organismo dirigido por João Havelange, no Congresso de Chicago, a 15 de Junho de 1994, distinguira-o com a Ordem de Mérito da FIFA.
Mas nem a homenagem do chefe do Estado nem a distinção do Congresso da FIFA ao antigo futebolista do Benfica corresponderam à importância da actual escolha do ex-atleta para figurar no International Football Hall of Fame.
O maior pilar da mística benfiquista e da selecção portuguesa será para sempre um ponto de referência obrigatório dos tratados do futebol mundial.
Com a simplicidade que o caracteriza, Eusébio disse ter ficado orgulhoso, mas ao mesmo tempo sinceramente surpreendido. “Nunca na minha vida pensei, mesmo depois de atingir o patamar que atingi, vir a ser considerado um dos dez melhores de sempre. Isto não é para qualquer pessoa, e dali já ninguém me tira”. O júri, composto por cem elementos, votou no antigo jogador português e enalteceu o contributo e a forma marcante como ele ajudou a escrever tantas páginas brilhantes do mais popular desporto do nosso tempo.
Numa votação pela Internet no ano 2000, para considerar quem foi o Melhor jogador do Século, Eusébio ficou em 3º lugar, atrás de Maradona e Pelé.
Eusébio é uma das figuras do século, o único dos nossos a integrar a galeria restrita onde só cabem Di Stefano, Puskas, Pelé, Cruyff, Beckenbauer, Platini e Maradona. Por todas as razões continua a ser duas décadas volvidas sobre o abandono dos relvados, o cidadão português mais conhecido no mundo. É o maior do País no estrangeiro, o rosto mais conhecido, um rei que soube merecer o trono que um pouco por toda a parte lhe ergueram.
O Benfica e o futebol português devem-lhe uma década como nunca tinha tido, e se não for incómodo reconhecer, nunca mais voltou a ter. Por mais gerações de ouro que seja capaz de fabricar. Foi o maior de todos. Pelos dados objectivos mas também pela magia de um futebol feito de instinto e génio. Foi único. Eusébio da Silva Ferreira, “king” para os amigos, alcunha da responsabilidade do jugoslavo Filipovic, foi e é o mais célebre jogador português de todos os tempos.
Palmarés:
Campeonato Nacional: 11 títulos (60/61, 62/63, 63/64, 64/65, 66/67, 67/68, 68/69, 70/71, 71/72, 72/73 e 74/75).
Taça de Portugal: 5 vitórias (61/62, 63/64, 68/69, 69/70e 71/72).
Taça de Honra da AFL: 5 vitórias.
Taça dos Campeões Europeus: 1 vitória (61/62).
Selecção Nacional: 64 jogos/41 golos, entre 8 de Outubro de 1961 e 13 de Outubro de 1973, com 33 vitórias, 12 empates e 19 derrotas.
Competições europeias: 75 jogos/57 golos.
Vice-Campeão Nacional do México: 75/76.
Campeão na NASL (Estados Unidos): 1976.
Melhor marcador do Campeonato do Mundo de 1966: 9 golos.
Bola de Ouro (melhor jogador europeu): 1965.
Bola de Prata (2.º melhor jogador europeu): 1962 e 1966.
Bota de Ouro (melhor marcador europeu): 2 vezes em 67/68 (42 golos) e 72/73 (40 Golos).
Bola de Prata (melhor marcador nacional): 7 vezes em, 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1970 e 1973.
Selecção UEFA/FIFA: 9 jogos 10 golos.
Campeonato Nacional: 313 jogos 320 golos (317 pelo Benfica 3 pelo Beira- Mar).
Taça de Portugal: 60 jogos 97 golos.
Taça de Honra: 10 jogos 8 golos.
Recordista absoluto de golos marcados em Portugal: 733
Envergou a camisola do Benfica 715 vezes.
Está na FIFA Hall of Champions depois de 1998.
Condecorações:
Medalha de Prata da Ordem do Infante D. Henrique (1966).
Grande Colar do Mérito Desportivo (1981).
Ordem do Infante (1992).
Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa (1992).
Ordem de Mérito da FIFA (1994).
Fontes: “Obrigado, Eusébio” de João Malheiro, “A Bola”, “Expresso” e “Record”.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Desgraça Clandestina


Chamo-me M. e tenho 16 anos. Estou grávida e não quero estar. O desespero apossou-se de mim e não sei o que fazer. Já pensei em matar-me mas eu quero viver. Falar com os meus pais é impensável. O meu pai é um alcoólico incorrigível, nunca trabalhou ou teve uma ocupação digna desse nome. É inútil qualquer esforço de memória que faça para recordar um momento de sobriedade em que ele se tenha revelado algo mais que o animal que me sovava a mim e aos meus irmãos até as lágrimas dissolverem a dor. Em inúmeras ocasiões era mesmo a fraqueza por não termos que comer que tornava tudo mais fácil de suportar. Ficávamos prostrados, num estado de letargia provocado pela fome. Nestas alturas que a pancada era menos dolorosa, porque facilmente perdíamos os sentidos ou tombávamos. Ninguém conseguia gritar, o que lhe retirava o ânimo.
A minha mãe tem uma atitude perante a vida que me lembra os meus amigos quando estão pedrados. Os olhos sempre fixos num ponto imaginário, completamente alheada da realidade, ou quando muito presa ao seu mundo. Existe não existindo, como se a vida dela se desenrolasse num plano diferente do nosso e nós somos apenas objectos translúcidos, sem substância, como que parte de um estranho sonho.
Fiz-me adulta muito nova, nas ruas. Sobre sexo aprendi com os outros. O que ninguém me ensinou ou me descreveu foi o significado do tesão, do desejo que não consigo controlar. Tudo seria mais fácil se fossemos como os bichos que têm as épocas de cio para procriar. Não o faço com qualquer um, mas com quem gosto perco deliberadamente o controlo. As carícias, os beijos, a queca, e é como se aqueles momentos fossem uma compensação para o sofrimento de que ninguém nos protege.
Não sou a única com uma vida miserável. Os casos aqui, no meu bairro, são mais que muitos. E tudo já mudou bastante. As assistentes sociais têm feito um bom trabalho, mas são poucas e não conseguem abranger todos os problemas.
Para pílulas não há dinheiro, roubam-se preservativos e esperamos estar sempre prevenidos. Só que o Verão é uma coisa terrível. E à noite é fácil soçobrar. Os corpos parecem que emanam um perfume inebriante que acicata a vontade. Tudo direito, preservativo colocado e o filho da mãe rebentou. Não vai acontecer nada, pensei eu. Se me tivessem falado da pílula do dia seguinte, eu podia ter feito alguma coisa. Quando não me veio o período, e como muitas amigas estavam ou estiveram grávidas, decidi fazer um teste.
Positivo.
Tudo se desmoronou. Não tenho a mínima hipótese de criar um filho. E para a adopção, nem pensar.
Por tudo isto, quando ouvi falar dos desmanchos, resolvi descobrir onde os faziam e arranjei o dinheiro com o menino que me pôs neste estado. Chego ao prédio que me indicaram e, sem ficar muito espantada, parece que vai cair a qualquer momento. Penso em ir embora, mas não o faço. Nem sei muito bem porquê. Entro e levam-me para um quarto. Sento-me numa cadeira cheia de ferrugem e ponho as pernas na posição. Sem anestesia, sinto tudo e a dor é alucinante.
Sei que passou pouco tempo, não tirei os olhos do relógio, mas aqueles momentos decorreram com uma lentidão própria que se gera quando alguém deseja ardentemente uma coisa que é como se cada segundo se transformasse numa amostra de eternidade.
Já está, diz-me com uma frieza desumana, assim como as suas recomendações. Saio e caminho em direcção a casa e sinto uma tontura. Deve ser normal, penso. A seguir, outra e outra, começo a ver o mundo como que através de uma bruma e percebo que algo está errado. Começo a sentir o sangue a escorrer-me pelas pernas abaixo em golfadas que não são normais. Não me consigo manter de pé e caio. Sinto no chão gelado algo a envolver-me num abraço tépido.
Alguém se aproxima e diz que me estou a esvair em sangue e pergunta-me qualquer coisa que não consigo compreender. Esforço-me por falar mas não consigo articular nenhum som. Será isto morrer? Tenho tanto medo. Chamam o 112 e continuam a tentar falar comigo. Não sei quanto tempo passou, mas oiço a sirene da ambulância…
Filipe Pinto.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Aborto


Se há palavras que têm sobre mim um efeito nauseante uma é “Aborto”. A carga negativa desta palavra é incompreensivelmente enorme. Será certamente o resultado de anos de condicionamento induzido pela propaganda estigmatizante que recaía sobre este assunto.
Um pouco cansado dos insuportáveis estribilhos utilizados por cada uma das partes envolvidas neste debate, uma espécie de fundamentalismo militante de uma qualquer causa que não o é, há um conjunto de reflexões que surgem de uma análise não simplista, muito menos maniqueísta, e que transcendem o acto.
Sem ser condescendente e muito menos parecer correligionário de qualquer um dos pontos de vista, até porque podemos ser contra o aborto e votar sim, é uma abordagem minimalista do problema tentar argumentar em prol de uma ou da outra posição com base nos argumentos extremos, por um lado, de que a mulher é a dona do seu corpo e, portanto, a decisão cabe-lhe exclusivamente, como se o aborto fosse colocar um piercing, e, por outro lado, alimentar o autismo vigente face ao problema real existente, transmitindo a ideia de que há opções para além do aborto sem concretizar.
É preciso perceber que caso vença o não, as interrupções voluntárias da gravidez (que notável amaciamento) não vão acabar e que, se ganhar o sim, para além do estigma não desaparecer, a designação de “voluntária” não pode passar a confundir-se com banalidade e com inconsequência e muito menos com uma espécie de impulsionador de uma nova revolução sexual semelhante à produzida pela pílula.
Mais importante que isso, qualquer que seja o resultado, não deve imbuir as pessoas de um sentimento de vitória política. Seja de que maneira for, é uma derrota.
Claramente.
O porquê das pessoas abortarem já foi amplamente discutido. O porquê do porquê é que não, ou seja, os grandes problemas sociais que atiram as pessoas para um ponto sem retorno. Individualizam-se os casos e esquece-se a responsabilidade colectiva. Será que alguém acredita que qualquer mulher que vai abortar o faz porque acordou com essa vontade? Para além dos seus motivos pessoais, não seremos nós, enquanto integrantes de uma sociedade que esmaga as pessoas, também responsáveis?
Recentemente fomos inundados por notícias de casos de abusos sexuais, crianças vítimas de maus-tratos e mortas. Num mundo tão profundamente injusto que facilmente se conclui que a protecção exigível está longe de ser perfeita e, também, está longe de oferecer opções credíveis.
Num país onde a sexualidade em muitos sectores está ainda imbuída de uma aura pecaminosa, responsável por complexos de culpa que provocam um grande sofrimento, não podemos esperar uma abordagem à reprodução com a seriedade que esta exige. Esta atitude cria enormes dificuldades no diálogo entre pais e filhos, que é incipiente, na maioria das vezes no sentido da castração, da negação do desejo, um dos mais fortes impulsos do Homem, em resultado de uma visa redutora do ser humano, apelidando-o de ser espiritual reduzindo-o ao mesmo tempo a um procriador social.
A sensação que dá é que a resistência à introdução a educação sexual nas escolas é feita pelos mesmos que não preparam os filhos, que não deixam os outros faze-lo, e muito provavelmente vão votar não.
Posto isto, mantém-se o problema do aborto “em vão de escada”. E vai manter-se caso vença o não. A mim, incomoda-me esta carnificina. E, mesmo quem não concorda, permitir que morram pessoas desta maneira incorre em alguma incoerência. Assegurar, no mínimo, a higiene necessária e a capacidade técnica de quem os faz, é também um sinal de humanitarismo e solidariedade. É que, independentemente da nossa opinião, as pessoas vão abortar.
Filipe Pinto.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

terça-feira, janeiro 09, 2007

A inveja é coisa feia e não há remédio.


(Carregar na imagem para ser mais nítida)
Theodore Gericault.
Retrato de Mulher Sofrendo de Inveja Obsessiva.
Cerca de 1822.
Musee des Beaux-Arts, Lyon, France.
"Aqueles que são invejados entristecem-se com o rancor que sentem à sua volta; se são orgulhosos, por receio de algum prejuízo; se generosos, por compaixão dos que invejam. Mas depressa se alegram: se me invejam, isso quer dizer que tenho um valor, dos méritos, das graças; quer dizer que sentem e reconhecem a minha grandeza, o meu triunfo.
A inveja é a sombra obrigatória do génio e da glória, e os invejosos não passam, de forma odiosa, de admiradores rebeldes e testemunhas involuntárias. Não custa muito perdoar-lhes, quando existe o direito de me comprazer e desprezá-los.
Posso mesmo estar-lhes, com frequência, gratos pelo facto de o veneno da inveja ser, para os indolentes, um vinho generoso que confere novo vigor para novas obras e novas conquistas.
A melhor vingança contra aqueles que me pretendem rebaixar consiste em ensaiar um voo para um cume mais elevado. E talvez não subisse tanto sem o impulso de quem me queria por terra. O indivíduo verdadeiramente sagaz faz mais: serve-se da própria difamação para retocar melhor o seu retrato e suprimir as sombras que lhe afectam a luz.
O invejoso torna-se, sem querer, o colaborador da sua perfeição".
Giovanni Papini, in "Relatório Sobre os Homens".

quinta-feira, janeiro 04, 2007

BASTA YA!


«9 Horas, 30 de Dezembro de 2006» - Uma furgoneta Renault Traffic cor grenat explode junto ao estacionamento do terminal 4 do aeroporto de Barajas-Madrid deixando em estado de choque a sociedade espanhola e em destroços o processo de paz que o governo de Zapatero iniciara nove meses antes.
A Organização “Euskadi Ta Askatasuna” (Pátria Basca e Liberdade) conhecida pelas siglas ETA elegeram a luta armada como forma privilegiada de conseguirem a independência de Euskadi e reivindicam os territórios do País Basco e Navarra em Espanha e da Baixa Navarra, Lapurdi e Suberoa em França.
Aquela organização fundada em 1959 cometeu o seu primeiro atentado mortal em 1968 contra o guarda civil José António Pardines. Desde aquele dia registaram-se 851 assassinatos, 77 sequestros, milhares de cartas exigindo o imposto revolucionário, explosões de carros bomba e ameaças contra juízes, policias, jornalistas e políticos.
Um dos actos mais dramáticos praticados pela organização e que provocou a maior mobilização popular contra a ETA, foi o sequestro do jovem Vereador do Partido Popular em Ermua, Miguel Angel Blanco Garrido (1997), assassinado ao cumprir-se o prazo de 48 horas que tinha sido dado para que o Governo aceitasse reagrupar os presos etarras, distribuídos pelas diversas regiões de Espanha.
É verdade que o povo espanhol está horrorizado com o banho de sangue e destruição que a ETA vem provocando nos últimos quarenta anos e também é verdade que a maioria da população basca, mesmo os nacionalistas que defendem a independência do país, são contra a violência.
Mas não podemos cair numa visão maniqueísta de que se trata de um qualquer grupelho de radicais terroristas que é preciso eliminar a qualquer custo sem procurar entender antes o que está por detrás deste conflito e procurar perceber como é possível um grupo armado (que conta já com centenas de mortes e cerca de 700 activistas presos) resistir durante 40 anos contra uma poderosa organização militar e policial altamente treinada contra o terrorismo.
Presume-se que o povo basco tenha ocupado a Península Ibérica por volta de 2000 A.C. e tenha resistido a constantes invasões sofridas ao longo dos séculos. Apesar da dominação romana, os bascos mantiveram a sua língua, costumes e tradições, num processo de constante resistência. A língua Basca é a língua mais antiga falada hoje na Europa apesar de só no século XVI se ter constituído como língua escrita.
Entre os séculos XV e XVI a região foi submetida à Espanha, finalizando o processo de formação do Estado Monárquico, que havia sido iniciado com o casamento dos reis católicos Fernando e Isabel.
Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) a maioria da população basca apoiou os republicanos, aliados naquele momento aos socialistas e anarquistas, provocando violentas represálias por parte dos fascistas, sendo que o episódio mais conhecido foi o bombardeio da cidade basca de Guernica no dia 26 de Abril de 1937, quando a aviação da Alemanha nazista lançou bombas incendiárias, matando mais de 1000 pessoas.
A ditadura fascista do general Franco reprimiu com grande violência todos os movimentos nacionalistas. No País Basco foi proibida a língua bem como toda e qualquer manifestação política ou cultural. O Estatuto de Autonomia aprovado pelas Cortes de 1936 foi suprimido e a repressão sobre os bascos contribuiu decisivamente para o germinar, nos anos 50, de uma contestação nova e qualitativamente diferente da resposta dada até então pelo Partido Nacionalista Vasco (PNV) e do auto denominado “Governo Basco no Exílio”.
Essa resposta chamar-se-á «Euskadi Ta Askatasuna», ETA.
Com o afastamento em relação ao nacionalismo tradicional e com o aprofundar de uma “teoria de libertação nacional” a organização passou à luta armada, a partir da segunda metade da década de 60, sendo a sua acção mais espectacular o atentado que matou o Primeiro Ministro, Almirante Luís Carrero Blanco, provável sucessor de Franco, em 1973.
Em 1975 terminou a ditadura franquista e iniciou-se o processo de democratização. No País Basco surgiram alguns partidos “nacionalistas”, com projectos diferenciados, dividindo os bascos quanto à luta pela autonomia. Com a colaboração da nova Constituição, o Estado Espanhol propôs um Estatuto de Autonomia, aprovado em 1978. A ETA rejeitou o Estatuto, manteve a actividade militar e ao mesmo tempo passou a actuar politicamente com a fundação do Herri Batasuna (Unidade Popular).
Durante o Governo do Partido Popular de (1996-2004) de José Maria Aznar, teve lugar uma intensa persecução policial e judicial contra a ETA e foi ilegalizado o Partido Político Batasuna mas os seus candidatos haveriam de concorrer nas eleições autonómicas de 2005 através do “Partido Comunista de Las Tierras Vascas” que conseguiria obter 150.188 votos e ocupar 9 dos 75 lugares do parlamento basco.
O Jornalista Rui Pereira no seu livro Euskadi - a Guerra desconhecida dos Bascos, refere-se do seguinte modo ao independentismo radical: “Além de estável, essa base numérica é composta por centena e meia de milhares de pessoas que, mais que altamente politizadas, estão geracionalmente habituadas a sofrer por razões politicas e, como tal, preparadas para resistir, defender-se e atacar, imunes à fadiga da rotina, ou a qualquer quebra anímica. O poder efectivo dos seus agrupamentos, quer se exprimam pela violência da Kalea Borroka, ou pela participação na política eleitoral convencional, está nas ruas e não nas urnas. E, neste particular, não há outra força que lhe equivalha no tecido político e social basco”.
É neste quadro, consciente de que a resolução do conflito passa por uma nova abordagem do problema, que José Luís Rodriguez Zapatero, Primeiro-ministro espanhol, inicia negociações com a ETA depois de esta ter proclamado um cessar-fogo permanente a partir de 24 de Março de 2006.
O optimismo de Zapatero foi expresso no dia anterior ao atentado quando declarou “Estamos melhor que há um ano e dentro de um ano estaremos melhor. Se está melhor quando há um cessar-fogo permanente em vez de bombas”.
Estavam melhor mas não havia razões para tanto optimismo, pois se a ETA havia cumprido com o seu compromisso de não cometer atentados nunca renunciou a manter a sua actividade e foi dando a conhecer, em 5 comunicados tornados públicos, o seu descontentamento face ao desenvolvimento das negociações.
Em 18 de Agosto, a ETA falava abertamente de uma evidente situação de crise do processo de paz no País Basco, que atribuía à atitude do PNV e do PSOE.
Sublinhavam que o Governo Socialista se valia da repressão para debilitar a esquerda abertzale (nacionalista) por meio de contínuos ataques a partir do aparelho do Estado.
Na sua última aparição pública antes do atentado, o líder do ilegalizado Batasuna, Arnaldo Otegi assegurou que o processo de paz estava na mesma situação de crise e que não havia nenhuma mudança relevante. Otega insistiu nessa tese afirmando que não havia nenhum acontecimento que permitisse dizer que as coisas tinham mudado e que o processo estaria em marcha.
Entre as medidas que reivindicavam como base do processo negocial contavam-se a modificação do esquema estatutário, legalização do partido político Batasuna e a adopção de medidas de aproximação dos presos que deveriam ser transferidos para as prisões bascas.
Entretanto continuavam os actos de violência de rua (Kale borroka), um comando de etarras apoderou-se, em Outubro, de 300 revólveres e 50 pistolas e uma quantidade indeterminada de munições numa empresa francesa em Vauvert e, já em Dezembro tinham sido detidos presumíveis membros da organização e encontrados esconderijos com detonadores e bidões de munições de caça.
O processo é definitivamente interrompido a 30 de Dezembro com o atentado no aeroporto de Barajas. Uma hora antes foram efectuados 3 telefonemas, para as autoridades, para a evacuação do local, mesmo assim houve 19 feridos um morto já confirmado e um desaparecido.
Tudo volta ao ponto de partida, sem que se vislumbre qualquer solução politica para o conflito que opõe nacionalistas a integristas, mas importa recordar que a grande maioria dos nacionalistas que defendem a independência do País Basco são moderados e condenam qualquer recurso à violência e estes representam a esmagadora maioria dos cidadãos bascos.
Na opinião do jornalista, Rui Pereira
"não há nenhum problema basco", nem catalão, nem andaluz, nem galego. O que existe, na realidade, é "um problema espanhol", que parte de uma "entidade questionada e questionável". A longo prazo, afirma, a questão basca não pode ser resolvida sem uma alteração à Constituição espanhola, para que esta passe a reconhecer a auto-determinação dos povos. "Isto é um processo a anos de distância".
Mas é um processo irreversível.
Jorge Gaspar.

terça-feira, janeiro 02, 2007

A Derrota Moral do Ocidente.


A execução do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein na manhã de Sábado, 30 de Dezembro, é uma demonstração inequívoca que cinco mil anos de civilização não fazem a Justiça melhor.
Na melhor tradição do Código de Hamurábi, de “olho por olho, dente por dente”, a “democracia” iraquiana enforcou Saddam Hussein, para regozijo de Israel, do Irão e do Presidente americano George W. Bush: “o julgamento de Saddam Hussein marca o empenho do povo iraquiano em substituir o domínio de um tirano pelo domínio da lei. Trata-se de um grande desempenho da jovem democracia iraquiana. As vítimas daquele regime receberam hoje a justiça que achavam que nunca chegaria”, disse o Presidente americano.
Depois do chorrilho de mentiras por parte dos americanos para a invasão do Iraque, parece que o objectivo principal da invasão está finalmente cumprido: Saddam foi enforcado.
Felizmente que o mundo é plural e nem todos tem a mesma opinião. Críticas contra a execução de Saddam vieram do mundo inteiro, com a Europa à cabeça a repudiar esta execução e o Vaticano a alertar que não se deve punir um crime com outro.
As vozes contra esta execução estão longe de sentir qualquer simpatia pelo ex. ditador, mas pura e simplesmente, repudiam este crime, que é a pena de morte.
O enforcamento de Saddam Hussein, será recordado historicamente, como um acto ignóbil das novas autoridades iraquianas e de toda a Administração Norte-americana, especialmente do Presidente George W. Bush.
Esta execução medieval, vem demonstrar que o Estado de Direito, como o conhecemos e queremos exportar, está muito longe de existir no Iraque, além de que, a Democracia que o Ocidente quer impor como um imperativo moral a muitos dos países do Mundo, sofreu o seu maior revés.
Por último, a execução da sentença de Saddam Hussein, com o alto patrocínio dos Estados Unidos e do Reino Unido é, também, uma derrota, para todos aqueles que advogam a "superioridade moral do Ocidente" e mais uma benesse para todos aqueles que fazem do extremismo e terrorismo a sua causa de vida.
Dizem que Ghandi comentou um dia, sobre o Código de Hamurábi: “Olho por olho, deixa o mundo cego”. Além de concordar, acho que, é difícil encontrar uma crítica mais devastadora a esta forma de fazer justiça.